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segunda-feira, 10 de maio de 2021

Uma realidade que não se podia inventar




«Atinge-se um limiar de humilhação que torna tudo insuportável daí por diante. Tornamo-nos extremamente suscetíveis a um certo número de coisas. Esse limiar de humilhação, atingimo-lo mal chegámos a Auschwitz-Birkenau.» escreveu Simone Veil, que, mais tarde, viria a levar a aprovação a lei da interrupção voluntária da gravidez em França (em 1975) e a ser a primeira mulher a presidir ao Parlamento Europeu (em 1979), tinha apenas dezasseis anos quando foi deportada com a família para o campo de concentração nazi de Auschwitz-Birkenau, depois para Bobrek e Bergen-Belsen. Perdeu a mãe, o pai e o irmão.

«O nosso assombro durou todo um dia. Entre o duche, a sauna e as roupas andrajosas, apenas tínhamos perguntas sem respostas. Depois, com horror, descobrimos os blocos. Eram longos barracões de tijolo, com o pavimento em betão e uma vaga lareira no meio. Havia fileiras de estrados a que chamávamos coyas – sem dúvida uma palavra polaca –, espécie de gaiolas sem grades, com colchões de palha. Éramos amontoadas às cinco ou seis por estrado, por vezes cabeças com pés por carência de lugar.»

A Madrugada em Birkenau, de Simone Veil, com testemunhos recolhidos pelo cineasta David Teboul, é um extraordinário documento histórico, enriquecido por muitas fotografias. Primeiro, Simone Veil fala da sua infância em Nice, recorda o início das perseguições raciais em França, e relata a deportação, a vida nos campos de Drancy, Auschwitz-Birkenau, Bobrek e Bergen-Belsen, e o impacto desses acontecimentos na vida que se lhes seguiu. Depois, dialoga com outros sobreviventes do Holocausto, antigos companheiros dos campos, e com a irmã, membro da Resistência, que reencontrou no fim da guerra. Chega às livrarias nacionais, com tradução de Antonio Sabler, a 13 de maio.

Sobre a Autora

Simone Veil nasceu em Nice, em 1927. Tinha dezasseis anos quando foi detida e deportada. Depois da guerra, tornou-se magistrada e, em 1974, ministra da Saúde, tendo levado à aprovação a «Lei Veil», que despenalizou o aborto em França. Em 1979 tornou-se a primeira mulher presidente do Parlamento Europeu. Membro do Conselho Constitucional, foi eleita membro da Academia Francesa em 2008. Em 2010, uma sondagem deu-a como «a personalidade preferida dos franceses». Morreu em 2017, aos 90 anos. Mais de dois milhões de pessoas acompanharam pela televisão a trasladação dos seus restos mortais para o Panteão, em 2018. Foi a quarta mulher a receber a distinção francesa «Honneur Solennel de la Nation». 

Este relato, e todos os testemunhos além do de Simone Veil, foram recolhidos por David Teboul, fotógrafo e cineasta francês. No fim dos anos noventa, o então jovem realizador David Teboul propôs a Simone Veil consagrar-lhe um filme. Foi esse o ponto de partida de uma longa amizade, que durou até à morte dela. Teboul foi o artista convidado para a cerimónia de entrada de Simone Veil no Panteão.