domingo, 2 de fevereiro de 2020

Histórias com História - Paulo Nogueira


Adriano de Paiva - O legitimo pai da televisão

Desde tempos remotos, o Homem teve necessidade de transmitir à distância informações sobre tudo o que o rodeava. A ideia da transmissão à distância de imagens remonta aos finais do século XIX, através da acção de alguns "visionários" em todo o mundo, os quais recorreram aos meios que a tecnologia à data lhes proporcionava, ou, então, enveredaram pelo campo da imaginação baseada em determinados pressupostos, os quais, anos mais tarde vieram dar ou retirar razão a quem os formulava. Escritores e ilustradores da época, imaginavam transcrevendo para ilustrações publicadas, essa ideia da magia da transmissão de imagens à distância. À época foi como que uma ficção cientifica…



No entanto, em termos de televisão, tudo começou com o cientista português Adriano de Paiva de Faria Leite Brandão, nascido em São Tiago da Cividade, Braga, a 22 de abril de 1847. Estudou Matemática em Coimbra como Bacharel, tendo obtido o grau de Doutor em Filosofia no ano de 1868. Foi autor de "These Ex Naturali Philosophia" (1868). Nomeado lente substituto temporário por 2 anos, da secção da 7.ª, 8.ª e 9.ª cadeira, pelo decreto de 14 de janeiro e carta régia de 6 de março de 1873, lecionando Química e mais tarde Física. Já em março de 1878, este professor de Física da Academia Politécnica do Porto, publicou um tratado dos princípios fundamentais da termodinâmica. O Dr. Adriano de Paiva Brandão, ficou conhecido nos meios científicos pelas suas reflexões sobre a telescopia, como uma nova aplicação da electricidade e publicou na revista "O Instituto", de Coimbra, um artigo onde divulgava o recurso ao elemento selénio como meio de transdução da luz em corrente eléctrica, aproveitando as suas características fotocondutoras, a partir do qual seria possível a transmissão à distância de imagens em movimento, tendo-lhe dado a designação de "A Telescopia Eléctrica Baseada no Emprego do Selénio". Não chegou a efectuar os testes que a comprovariam, limitando-se a publicar apenas um estudo teórico a esse respeito na revista. Esta ideia surgiu-lhe graças às notícias, entretanto chegadas a Portugal pelo jornal "O Século de Coimbra", em o nº 2 da 2ª série, correspondente a dezembro de 1876, sobre a invenção do telefone pelo americano Graham Bell (1847 - 1922), e mais tarde com a primeira demonstração do telefone em Lisboa, em novembro de 1877. Adriano de Paiva interrogava-se, que se a transmissão da voz à distância era uma realidade, porque não a transmissão da imagem de quem falava?! Idealizou também sobre as possibilidades de produzir um sistema equivalente ao de Graham Bell para a transmissão de imagens animadas. O termo telescópio designava já um processo de comunicação óptica. A originalidade do contributo de Adriano de Paiva consistia em utilizar o selénio como placa sensível do campo negro do teletroscópio. O selénio fora descoberto em 1817 por Jöns Jacob Berzelius (1779 - 1848), e as suas propriedades estudadas desde 1873 por Willoughby Smith (1828 - 1891), com a ajuda de L. May. Adriano de Paiva referia-se também aos trabalhos conduzidos pelos irmãos Siemens em 1875 e 1876.
                                                                           
 

Escreveu Adriano de Paiva nesse seu artigo: "Desde que as considerações precedentes se desenharam claras ao nosso espírito, para logo nos quis parecer que uma nova descoberta científica se anunciava para breve; seria a aplicação da electricidade à telescopia, ou a criação da telescopia eléctrica. (...) Uma câmara escura, colocada no ponto que houvesse de ser sujeito às observações, representaria, por assim dizer, a câmara ocular. Sobre uma placa, situada no fundo dessa câmara iria desenhar-se a imagem dos objectos exteriores, com as suas cores respectivas e acidentes particulares de iluminação, afectando assim diversamente as diversas regiões da placa. Tornava-se por tanto apenas necessário descobrir o meio de operar a transformação por nenhuma forma impossível, desta energia, absorvida pela placa, em correntes eléctricas, que em seguida recompuzessem a imagem. A importância da descoberta dum instrumento de tal ordem manifesta-se com demasiada evidência. Contudo não é talvez inútil advertir que esse telescópio eléctrico, quando realizado preencheria uma lacuna que a telescopia actual, a despeito de todos os seus progressos jamais poderia pensar em fazer desaparecer. (...) Com o novo telescópio, (...) transformado em corrente eléctrica, o movimento luminoso percorreria docilmente o caminho que nos aprouvesse dar ao fio destinado a conduzi-lo; e de um ponto do globo terrestre seria possível devassar este em toda a sua extensão". 
Entretanto, foi nomeado sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa (1881), sócio do Instituto de Coimbra, sócio fundador e perpétuo da "Societé dês Electriciens" de Paris, tendo sido nomeado Presidente desta Sociedade em Portugal. Graças aos méritos científicos então reconhecidos por toda a comunidade científica, o Rei D. Luiz I fê-lo Conde de Campo Belo e par do Reino, faleceu na cidade do Porto em 1907 com 60 anos de idade.


 
O artigo de Adriano de Paiva, então publicado, é ainda hoje considerado por alguns meios científicos internacionais como o precursor da televisão no Mundo, face ao envolvimento técnico nele preconizado, o qual é nos dias que correm, apesar dos avanços entretanto alcançados, o suporte base dos transdutores luz/corrente eléctrica empregues, como acontece com os sensores CCD (Coupled Charge Device) e os C-MOS (Complementary Metal Oxide Semiconductor), que é o mesmo, ou seja a fotocondutividade. Este importante trabalho do cientista português, Adriano de Paiva, teve um impacto internacional e inspirou estudos pioneiros no campo da televisão desde então, até à actualidade (tema a desenvolver em próximo artigo).
Por curiosidade este artigo de Adriano de Paiva, foi lido e estudado durante os anos 20 em Itália, quando o regime de Benito Mussolini (1883 - 1945), se interessou pelo tema televisivo. Com os desenvolvimentos verificados na década de 20, do século passado, em especial graças à acção do escocês John Logie Baird (1888 - 1946), com o seu sistema de televisão mecânica baseada no disco Paul Gottlieb Nipkow (1860 - 1940), o nome de Adriano de Paiva deixou de ser referenciado como o mentor de uma tecnologia que lhe ficou a dever imenso. Esta situação manteve-se até 1967 quando em Lisboa, na Universidade Técnica, o ideólogo alemão do sistema de televisão a cores PAL, o engenheiro Walter Bruch (1908 - 1990), proferiu uma palestra sobre o seu invento, contudo não se esqueceu de lembrar aos presentes que foi o português Adriano de Paiva quem deu origem ao que ali veio apresentar, recuperando, assim, em termos internacionais, o mérito que lhe é devido. Podendo por isso Portugal ter certo orgulho em também haver contribuído para o nascimento da técnica televisiva e considerar-se Adriano de Paiva o legitimo pai da televisão .



Texto:
Paulo Nogueira

Publicação feita ao abrigo do acordo de partilha de conteúdos entre o blogue "Histórias com História" e o site "Cultura e Não Só".