sábado, 14 de março de 2020

Crónica "Sobre isto e aquilo" - Deolinda Laginhas



Estou indecisa quanto ao género a atribuir-lhe: drama, suspense, terror, ficção científica…?
Não sei se vos acontece, mas a mim assalta-me a angústia de estar a viver um drama ficcional, que contrariamente aos argumentos sempre previsíveis das produções de Hollywood, não sei como acaba.

Lembro-me a este propósito de dois filmes, que podem aproveitar para preencher o vosso recolhimento (se forem um bocadinho masoquistas): o “Ensaio sobre a cegueira” do Fernando Meireles e o “Sentido do amor” de David Mackenzie. Ambos soberbamente realizados e interpretados, e que se diferenciam pelo enfoque no comportamento humano em situações extremas. A luta entre o instinto primário de sobrevivência e o humanismo e a solidariedade que nos une.

É justificável a luta pela sobrevivência, não consigo no entanto encontrar justificação para a tentativa de monopolização dos direitos sobre uma potencial vacina. Seja por motivos estratégicos ou meramente económicos, não me parece certo, permitir que alguém retenha em si o poder sobre a vida e a morte. 

Ao ler a notícia de que o Sr. Trump estava encetar negociações com um laboratório alemão no sentido de adquirir os direitos exclusivos sobre uma vacina contra o Covid-19, acreditei que pudesse tratar-se de mais uma das fake news que vão proliferando nas redes sociais. A notícia foi já confirmada pelas autoridades alemãs e não posso deixar de experimentar alguma sensação de nojo perante quem do alto da sua vaidade pretende tirar vantagens políticas à custa do sofrimento de milhões, tornando-se no herói que salvou a pátria do vírus estrangeiro. 

Neste enredo série C de filme hollywoodesco, o herói ganha as eleições, o domínio económico sobre um mundo que se prepara para um crise económica sem precedentes. Tudo isto, realizado e produzido e financiado pelos mercenários do mundo farmacêutico. 

É urgente relançar a discussão sobre as patentes das vacinas e demais medicamentos, atendendo ao equilíbrio de interesses e valores entre aquilo que é o direito fundamental do acesso à saúde e consequentemente o direito à vida, e o direito à exclusividade e monopólio da titularidade da patente do medicamento. 

Por cá, apesar do medo que nos vai minando a lucidez e a vontade, os portugueses, tradicionalmente, unem-se mais na tragédia do que na alegria e vão dando mostras de pequenos gestos de solidariedade e união. Gestos que nos fazem grandes!
Estou certa de que, passada esta provação sem precedentes, o mundo vai ser um lugar diferente. 

Apresentação Deolinda Laginhas

O meu nome é Deolinda Laginhas, 47 anos.
Desde sempre apaixonada pelas relações internacionais, área em que inicialmente me formei, descobri posteriormente o direito, tendo-me licenciado em solicitadoria, profissão que tenho vindo a exercer.
Sendo as minhas várias áreas de interesse, indissociáveis na minha forma de ver o mundo, procuro nesta crónica falar “sobre isto e aquilo”, procurando temas que pela sua actualidade e importância legal ou social mereçam aqui ser abordados.