Tiago Sousa é um caso isolado na abordagem ao piano, dado o seu desprendimento natural a estilos e expectativas. Diversificado demais para os cânones da escola clássica, nele ouvimos elementos jazzísticos difusos, referências reunidas na antiga filosofia oriental e uma infinidade de mundos entrelaçados. Embora íntima, a subtileza e a magnitude da implosão emocional das suas peças não têm outro habitat além da universalidade. Na continuidade do caminho estético que persegue desde «Insónia», editado em 2009, apresentou no final do ano passado um conjunto de peças para piano solo, reunidos no álbum «Oh Sweet Solitude».
Neste álbum, ao corpo estético permeado pelas ideias orientalistas do taoísmo e do zen budismo e pelas ideias de beatnicks e libertários, somaram-se entretanto as ideias e temas explorados pelos existencialistas europeus modernos. E, após ter editado «ANGST» no início deste ano, onde retrata uma série de ensaios sobre o ser efémero, anuncia agora que no final de Abril estará disponível uma versão em Vinil do álbum «Oh Sweet Solitude», com o single "Eyes Velázquez-Grey" e vídeo a acompanhar.
Tiago Sousa - "Eyes Velázquez-grey"
Tiago Sousa começou a escrever este tema quando estava a trabalhar na banda sonora do filme «A Praia da Amália» (Daniel Gorjão e Patrícia Couveiro, 2020), que retrata um casal que se está a conhecer e a apaixonar e onde há aquele momento único e universal do Amor - o feitiço lançado pela infinita troca de olhares. Tendo o próprio compositor já sentido este chamariz de olhar, foi nos retratos de Diego Velázquez (1599-1660) que encontrou a perfeita ilustração das expressões faciais, e sobretudo dos olhos, cuja palete de cores atípicas e apelativas consegue criar este feitiço visual e ao mesmo tempo invisível.
Este pintor espanhol, considerado uma das maiores influências da escola impressionista, destacou-se pela exploração do contorno e dos contrastes ilusionistas de luz e sombra. Pintava sobretudo retratos da corte real, mas tinha uma paixão por cenas ordinárias do quotidiano e gostava de representar as personagens do povo e espaços como as tabernas e cozinhas. Daqui surgiu a ideia de criar uma versão contemporânea das pinturas de Velázquez, ao filmar, em conjunto com o realizador Mário J. Negrão, vários retratos em movimento, copiando estilisticamente a própria luz, a pose e a expressão das personagens e ambientes presentes em cenários típicos do pintor.
O resultado foi alcançado com a ajuda de vários intervenientes da Cooperativa Mula, um colectivo formado na cidade do Barreiro com base numa horta comunitária com quase 20 anos e que promove a participação local e social. Devido à pandemia está actualmente numa fase um pouco estranha, mas, segundo Tiago Sousa , continua com vontade de celebrar a sua existência e consegue criar este tipo de sinergias que podemos assistir. Tal como as telas de Velázquez, o vídeo impõe-se ao olhar do observador pela sua energia intrínseca, aliada à atmosfera de meia-luz e aos vários degradés de sombras, transmitindo uma sensação paradoxal de movimento pendente.
Este vídeo, criado inicialmente para promover a edição em Vinil de «Oh Sweet Solitude», terá também uma versão longa a incluir quatro temas do álbum, fazendo jus a planos mais longos da mesma ideia. Fiquem atentos e desfrutem das expressões e contrastes minimalistas deste compositor.