Para a competência, a idade é constituinte dispensável, se pensarmos que elementos como o talento, a solidez criativa e a paixão que se derrama para a arte não pontuam calendários. Há na música em Portugal uma efervescência bem-vinda de artistas jovens que se aventuram para os nossos ouvidos cavalgando no amor e dedicação. Uns, como é sabido em todas as histórias de quem arrisca, não se soltam de nevoeiros ou da clandestinidade. Outros, por génio, fortuna e mérito, conquistam sem precisarem de quem os venda em promoções espetaculosas, porque o que conta no caso são as canções.
Os Capitão Fausto serão, eventualmente, a banda-paradigma de quem vence e arrecada os melhores adjetivos porque o caminho só poderia implicar-lhes coroação. Constituídos por Tomás Wallenstein, Domingos Coimbra, Francisco Ferreira, Manuel Palha e Salvador Seabra, têm três LPs editados: Gazela” (2011), “Pesar o Sol” (2014) e “Capitão Fausto Têm os Dias Contados” (2016). Com o último registo, mais cheio de tudo – arranjos de metais, outros instrumentos de sopro e um compassar distinto no rasgar das guitarras – atingem aquele cliché que lhes serve como um vestido de gala, justo e perfeito: a maturidade. Sobem na cronologia da vida e das melodias, equilibrando as mundividências e o apuro técnico, instrumental e composicional, como trapezistas desmedrosos e arrojados que balançam em elevados tetos e sem rede. As canções do terceiro e mais forte disco dos Capitão Fausto são cozinhadas entre o rock e a pop e liricamente oferecem narrativas de quem soube crescer e pensar bem em como crescer. Ora simples, ora épicas, as velocidades são várias para viciar aos primeiros acordes.
No Coliseu de Lisboa, no dia 22 de Dezembro, os Capitão Fausto serão aquilo que se percebe deles: brilhantes.
"Fui abençoado, não sei se pela fortuna das circunstâncias ou por uma mão-invisível, por ter encontrado no Tomás, no Salvador, no Manuel e no Francisco a força que me fez superar o meu início de adolescência complicado com a morte da minha mãe.
Na realidade, foi mais do que isso. Mais do que encontrar uma força que não tinha, que na verdade só anos mais tarde me apercebi disso, encontrei uma razão de ser, que eventualmente todos encontramos com mais ou menos clarividência ou imediatismo.
Encontrei-a cedo. Chamemos-lhe uma razão de ser repartida. Por um lado já em miúdo decidi que queria fazer música e viver para isso, e por outro que só a faria se fosse com eles. É que para mim Capitão Fausto é mais sobre a força da amizade que nos une desde miúdos e não o facto de sermos uma banda. Um gangue. A cada dia que passa não sei se estou mais grato por estarmos a crescer como banda ou como amigos. E no bom que é, passados já vários anos, continuar a crescer uma amizade e eu a crescer com eles. Mas sobre bandas que crescem ou estão muito contentes pelos feitos que alcançam já todos vocês conhecem a lenga-lenga do obrigado e do auto-elogio humilde.
Quando soube que íamos tocar ao Coliseu, uma sala tão bonita e importante para as bandas Portuguesas, a minha primeira reacção foi pensar neles. Não na banda, não no futuro, neles. Há aqui um certo egoísmo da minha parte. No limite interessa-me mais a partilha deste momento com eles, no facto de ser mais uma história para acrescentar às nossas vidas. Um concerto, um disco, um festival, tudo são marcos que as bandas vão alcançando. O curioso é que todos nós temos a plena consciência da importância destes passos e de todo o trabalho que isso implicou e ainda implica. Muitas vezes dizem que não exteriorizamos isso e que devíamos ser mais efusivos a celebrar conquistas. Aquilo que me inspira neles os quatro é eu saber que eles sentem a felicidade das conquistas mas são sempre incrivelmente pragmáticos e directos ao assunto: "Boa, vamos ao próximo". São pouco pavões no fundo. Já eu não sou pavão mas sou mais lamechas do que eles.
E por isso estaria a enganar-me se não reconhecesse que este é também um momento de partilha. Com o nosso crescimento acredito que houve uma geração que cresceu connosco. Os músicos às vezes demoram meses a fazer canções e quem as ouve fá-lo em minutos, assim de vez em quando. Há uma assimetria de informação. Todas as bandas dão uma importância muito maior aqueles minutos porque sabem tudo o que eles implicam. Quem ouve apenas gosta ou não gosta. Às vezes de uma forma terrivelmente, ou maravilhosamente, simples. É quase impossível agarrarem-se a elas como nós. Felizmente, desde 2011, muita gente se agarrou mais do que a esses minutos e de uma maneira ou de outra identificou-se com aquilo que fazemos e directa ou indirectamente cresceu connosco a ouvir a nossa música. Uma companhia. Ainda hoje vejo muitas caras conhecidas que já havia visto nas alturas do Gazela e do Pesar o Sol e a cada concerto reconheço caras antigas e outras novas já com lugar cativo. No fundo estamos todos a crescer e embora nunca ninguém consiga dar a importância que nós, egoístas, damos às nossas canções, a verdade é que muita gente se aproximou mais delas do que alguma vez imaginámos. E isso deve ser celebrado. Podemos chamar a este concerto no Coliseu de isso mesmo: Uma celebração.
Um obrigado a quem tem crescido connosco, um obrigado a quem nos ajudou a crescer, e da minha parte, um obrigado ao Tomás, ao Manuel, ao Salvador e ao Francisco por fazerem de mim um gajo feliz e completo, com ou sem Coliseu." Domingos Coimbra / Baixista dos Capitão Fausto