Foram ontem apresentados ao final do dia, na sala 3 do Cinema São Jorge, os primeiros destaques da 15ª edição do MOTELX, Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa.
De 7 a 13 de Setembro, aquele cinema recebe uma programação que reflecte o ADN que o MOTELX tem vindo a refinar ao longo dos anos, mudando assim o panorama cultural da capital ao retirar o medo do cinema de género e cruzando-o despudoradamente com outras expressões artísticas.
Num misto de visão para o futuro do cinema de terror - ainda que com o olho bem aberto para o que se passa no presente, no mundo e na arte - o número redondo desta edição assume tom de celebração pelo que as honras de abertura recaem na ante-estreia de “The Green Knight” (2021), protagonizado por Dev Patel. Esta é a releitura tão misteriosa como assustadora, tão fantasiosa como profunda da lenda arturiana de Sir Gawain, com assinatura do aclamado realizador David Lowery.
Mas, se em 2020, o foco da programação recaiu naturalmente sobre as questões de racismo sistémico, este ano, a partir da selecção de filmes feministas para a competição oficial como “Black Medusa”, de Ismaël e Youssef Chebbi, ou “Violation”, de Madeleine Sims-Fewer e Dusty Mancinell, a inspiração bebe-se no movimento #metoo. No sentido de deitar por terra o estereótipo da representação masculina nos filmes de terror, estes dois filmes lançam as bases para a criação da identidade do MOTELX 2021 - protagonizada em spot por Sónia Balacó - e para um programa especial intitulado “Fúria Assassina - Mulheres Serial Killer”. Esta retrospectiva junta os escassos filmes de serial killers mulheres apresentando o biopic de Erzsébet Bathory, a “A Condessa Sangrenta” (2009), realizado por Julie Delpy; “Monster” (2004), filme realizado e magistralmente interpretado por Charlize Theron sobre a mais famosa assassina norte-americana; o filme choque “Baise-Moi” (2000), de Virginie Despentes e Coralie Trinh Thi; o ritualístico e desconcertante “Audition” (1999), de Takashi Miike; e a sátira puritana de John Waters, “Serial Mom” (1994).
Na selecção oficial destaque ainda para o muito antecipado “Um Fio de Baba Escarlate” (2020), de Carlos Conceição, que faz uma actualização do Giallo à luz da tão fervilhante era de redes sociais, ou para o novo documentário de Rodney Ascher, “A Glitch in the Matrix” (2020) que nos fala de uma ideia cada vez mais levada a sério pelo mundo científico e filosófico, a de que a realidade é uma simulação de computador. A pandemia é a personagem principal do tailandês “The Sadness” (2021), em que o vírus promove uma regressão civilizacional.
Se desconstruir estereótipos é uma das premissas omnipresentes desta edição, reflectir sobre a memória pessoal e colectiva quando se assinalam 60 anos do início da Guerra Colonial é o chapéu para o Quarto Perdido desta edição intitulado O Coração das Trevas Português - A Trilogia (Inacabada) do Ultramar. Nesta secção, revisita-se a surpreendente tentativa feita pela dupla produtor/realizador com mais sucesso nos anos 90, Tino Navarro e Joaquim Leitão. Ideia original de Navarro, escrita a meias com Leitão, este tríptico assenta em três tempos: “Inferno” (1999), um filme passado no pós-guerra com veteranos; “Purgatório” (2006), a decorrer num quartel em África durante um bombardeamento; e “Paraíso”, o capítulo ainda por fazer, em torno de jovens na véspera do seu alistamento. Nos dois filmes que aqui ganham destaque, o western spaghetti convive em pleno com a comédia, acção, melodrama, romance, thriller, terror e buddy movie, fazendo desta demanda uma das mais surpreendentes e inusitadas da nossa cinematografia que muito se quer ver finalizada.
Outras sessões anunciadas são as de “The Amusement Park” (1973), o banido filme institucional de George Romero, e a celebração dos 20 anos da obra-prima “A Viagem de Chihiro” (2001), de Hayao Miyazaki, na secção Lobo Mau.
No campo das curtas-metragens, foram já anunciados 7 filmes da secção de Curtas Internacionais com destaque para o galardoado “A Terra do Não Retorno”, de Patrick Mendes, realizador vencedor da primeira edição do Prémio MOTELX - Melhor Curta de Terror Portuguesa, em 2009, e do thriller angustiante e claustrofóbico de Filipe Melo, filmado num plano sequência único, O Lobo Solitário (2021). A Secção X, cujos primeiros passos foram dados em 2020, oficializa-se este ano apresentando um novo espaço de divulgação do cinema de terror mais experimental e underground.
Nas secções competitivas, destaque para o Prémio MOTELX – Melhor Curta de Terror Portuguesa / Méliès d'Argent, pela primeira vez, apoiado pela Santa Casa da Misericórdia, reforçando assim a sua missão de apoio à produção nacional de cinema de género. O valor de 5000€ é o maior atribuído a curtas-metragens em Portugal. Os concorrentes serão anunciados em Agosto.
Mas se a programação regular 2021 é já uma das mais fortes, o habitual Warm-Up que antecipa o festival não é menos tímido. De 2 a 4 de Setembro, ampliando a importância dada às propostas artísticas multidisciplinares que o MOTELX se orgulha de alimentar, em estreia mundial absoluta, “As Vizões do Ego – Uma Encenação Pictórica de Edgar Pêra”, que marca a primeira e surpreendente incursão do conhecido cineasta português na pintura, com dramatização luminotécnica de Rui Monteiro e banda sonora de Artur Cyaneto. RAPSODO é o espectáculo que, no Convento de São Pedro de Alcântara, se constrói a partir de histórias aterradoras contadas por actores consagrados como Maria João Luís ou Miguel Borges, envolvidas na tranquilizante música de Noiserv. E porque as novidades se fazem acompanhar de clássicos, vai poder ainda assistir-se à habitual sessão de cinema ao ar livre no Largo Trindade Coelho, com programa a anunciar brevemente. Todas as actividades respeitam as recomendações da DGS e são apoiadas pela Santa Casa da Misericórdia.
Comprometido com o objectivo de levar o festival, os filmes seleccionados e o cinema de terror português a novos públicos e geografias nacionais, o MOTELX estabelece, este ano, uma importante parceria com a NOS Cinemas. A Volta a Portugal MOTELX nos Cinemas NOS é a nova extensão que tem início imediatamente após a realização do festival em Lisboa e que promete sessões de norte a sul do país, litoral e interior. Os filmes, salas e datas serão anunciados no decorrer do mês de Agosto.
Até 2 de Agosto, o público pode ainda submeter curtas até 2 minutos, feitas em telemóvel, tablet ou webcam, que serão a matéria-prima para a secção microCURTAS.