Entrar em contacto com uma abundância insondável, suportada pelo espaço aparentemente vazio. O espaço vazio contém uma abundância, feita de todos os imaginários, as evocações, as memórias, os espaços, os tempos presente, passado e futuro. O espaço vazio é a nossa matéria comum: é da artista, é do espectador e de todas as pessoas e presenças que carregamos connosco. O espaço vazio é a matriz, o potencial de onde surgem todas as formas. É um terreno de epifanias latentes.
A dança é inspirada no livro Água Viva de Clarice Lispector. Maria Varbanova diz: “Um livro que não conta uma história, Água Viva procura captar o instante, o presente, o momento de existência, a essência da linguagem e a essência da vida. A dança procura captar o instante, a essência da dança, do corpo e da vida. A captura revela-se impossível. Sem narrativa, ambos livro e dança, vêem e fazem formas surgir e desaparecer, cada um na sua linguagem, verbal ou corporal. A escrita e a dança criam-se para se desfazerem e desfazem-se para se criar. Fragmentando as suas formas e estruturas, ambas querem aproximar-se do núcleo inexplicável, indizível, que não se pode mostrar ou captar. Neste instante de ser, os limites entre si e o mundo fora de si, desaparecem. Longe de projetos estéticos ou virtuosos, a linha central é de arriscar não saber, ver-se lutar e em simultâneo renunciar a luta, para estar no presente desconhecido. Olhar para o ordinário e ver nele a epifania da existência. A dança não se encontra nos movimentos. A escrita não se encontra nas palavras. Os movimentos e as palavras tentam criar o espaço onde a dança e escrita vão surgir, enquanto evanescências.”
Com o narrador de Água Viva, de Clarice Lispector, em Enquanto tento fundir-me Maria Varbanova investiga o momento de emergência das formas/ linguagem/ dança, enquanto emissários da matriz de onde surgem. Eles aparecem e desfazem-se e redefinem-se continuamente, para deixar aparecer a sua essência.
Este solo procura manter-se no momento de emergência das formas. Situa-se depois da dissolução do instante anterior, e antes da emergência do instante seguinte. Entre estes dois momentos, existe uma fenda no tempo, que escapa ao nosso controle consciente e impossibilita a definição da nossa experiência. É um hiato que permite a renovação da nossa percepção.
Construir ferramentas, incessantemente, para Maria Varbanova deixar de conhecer o seu corpo e o seu ambiente, e conseguir vê-los pela primeira vez, em cada momento, como uma imensidão de possibilidades. A profusão invisível toma corpo e depois torna-se de novo irreconhecível. Maria Varbanova situa aqui a sua busca da Dança.
Enquanto tento fundir-me é um solo de dança contemporânea experimental composta por três partes: uma dança solo no silêncio; um monólogo sobre os materiais utilizados onde se pretende criar uma relação de igual para igual com o público, desmistificando o “artístico” e situando-o na realidade quotidiana; e uma projeção de fotografias de Gonçalo Fernandes de lugares, exteriores e interiores, que instalam o espectador num lugar específico, mas também indeterminado, impessoal e universal.
Esta peça tem uma abordagem multisensorial ao espectador através da dança, palavra e imagem que possibilita a entrada do espectador na dança através de meios diferentes envolvendo-o uma vez que necessita de activar as suas capacidades de atenção e de perceção. O espectador procura e explora a dança no infinito de possibilidades de estar, sentir e percepcionar.
Concerto
No âmbito da programação Chão de Oliva.
Datas e horários: 25 e 26 de Junho, 21h30m
Local: Casa do Teatro, Rua Veiga da Cunha, 20, Sintra
Reservas: geral@chaodeoliva.com