Algumas das criações mais disruptivas, extremas e radicais da história da indústria automóvel são obra da Renault. Entre outros exemplos, quem não se lembra dos famigerados 8 Gordini, do icónico Renault 5 Turbo, do exuberante Clio V6 ou, mais recentemente, do radical Mégane R.S. Trophy-R? Mas nenhum deles reuniu o exotismo do Spider. Um desportivo puro-e-duro que, há 25 anos, resultou da mente de um grupo de engenheiros apaixonados pela condução e pelo trabalho de “mãos”, já que a sua produção era praticamente artesanal.
A saga do Renault Spider começou, em 1990, no Salão de Paris, com um concept-car de nome bem mais prosaico: Renault Laguna Roadster. Apesar da designação e da associação ao futuro familiar da Renault não o indiciar, este protótipo de um desportivo sem teto, com um para-brisas quase residual (na prática era só um defletor de vento), de linhas baixas e esguias e com portas de abertura em tesoura, antecipava um desejo da administração da Renault de ter, na gama, um automóvel que vincasse o prazer de condução e, ao mesmo, catapultasse a imagem desportiva da marca.
Pouco tempo depois, já com o caderno de encargos técnico definido e o primeiro estudo apresentado, o grupo de entusiastas engenheiros da Renault recebeu luz verde para avançar com uma versão de homologação de estrada que ajudasse a amortizar os custos de desenvolvimento. Nasceu assim o projeto W94, mais tarde rebatizado Spider Renault Sport.
Apresentado ao público no Salão de Genebra de 1995, o Spider começou a ser produzido na fábrica da Alpine, em Dieppe. Com o público rendido às linhas, o Spider ostentava, com orgulho, o “carimbo” da Renault Sport, a divisão desportiva da marca que, poucos anos antes, tinha ajudado a conquistar o primeiro título de Campeão do Mundo de Construtores na F1.
Mas o Spider não vivia só de “aparências”. O motor colocado em posição central-traseira e o leve chassis em alumínio permitiam (e permitem) sensações de condução únicas, tanto em estrada como nas pistas, com a versão de troféu a apelar aos clientes sedentos da emoção da competição, mas com custos controlados.
A pureza da conceção e a incessante “cura de emagrecimento” também se refletiu no interior quase despido de elementos superficiais que só fariam aumentar o peso. Os bancos tipo bacquet, o arco de segurança e a ausência de sistemas como o ABS, a direção assistida ou um simples aquecimento (chauffage), tornavam a utilização do Spider muito próxima da de um automóvel de competição, sensação ampliada pela ausência de tejadilho e de um para-brisas digno desse nome, o que convidava os dois ocupantes a utilizar capacete nas deslocações de maior distância...
O baixíssimo peso do conjunto, similar ao de um Twingo da altura, ajudavam a potenciar as capacidades do motor 2.0 com 150 cavalos às 6000 rpm. Com uma cilindrada de 1998cc e um binário máximo de 185 Nm às 4500 rpm, o bloco F7R com uma cabeça de 16 válvulas (partilhado com o Mégane 16V e com o famoso Clio Williams) era mais do que suficiente para garantir retomas relâmpago a este peso-pluma. Mais importante do que a velocidade máxima (que na versão sem para-brisas chegava aos 213 km/h) eram os impressionantes 6,9 segundos nos clássicos 0 a 100 km/h.
O baixo peso, aliado à extrema rigidez e à inspiração nos automóveis de competição para a afinação de todo o conjunto, também proporcionavam um comportamento verdadeiramente excecional. As evoluídas suspensões de triângulos sobrepostos à frente e atrás, com barras estabilizadoras, a repartição de peso 42:58 (na versão com para-brisas) e a curta distância entre eixos permitiam uma agilidade ímpar, tanto em estrada como em pista. Enquanto a tração traseira e a ausência de ABS e de direção assistida faziam as delícias dos puristas pela relação ainda mais direta e sem “filtros” entre o homem, a máquina e o asfalto.
Mais conforto, o mesmo exotismo de sempre
Um ano após o lançamento, a Renault passou a oferecer uma versão com para-brisas convencional, uma solução que aumentava a proteção aerodinâmica dos ocupantes e permitia montar uma capota rudimentar para proteger o interior da chuva, mas que em nada afetava o exotismo do Spider.
Apesar desta nota de “conforto”, o Renault Spider manteve inalterado o seu espírito radical, com a ausência de auxiliares de condução, um interior despido, as portas de abertura em tesoura e o arco de segurança a marcarem a utilização e a fazerem a ponte para o mundo da competição automóvel. Nem o ligeiríssimo aumento de peso beliscou as prestações e muito menos o comportamento, que continuava (e continua) a ser um dos principais cartões de visita do Spider. A par com umas linhas e soluções técnicas que ainda hoje deixam estarrecidos os inúmeros fãs de um dos mais exóticos e focados Renault da história.
Das estradas para as pistas, uma evolução natural
A tradição da Renault na organização de alguns dos mais competitivos troféus monomarca de velocidade remonta a 1966, com o Troféu Renault 8 Gordini. Nos anos 90, o Troféu Spider fez jus a essa tradição, animando os programas de inúmeros Grandes Prémios de F1.
Em 1995, Christian Contzen, Diretor da Renault Sport, apresentou um concept-car de um “Spider Trophy”. Sem homologação para estrada e destinado exclusivamente para utilização em pista, o Spider Troféu era em tudo similar à versão com matrícula, embora com componentes mecânicos devidamente adaptados para utilização numa competição monomarca.
O motor 2.0 16V beneficiou de um sistema de injeção diferente, de um escape de competição e de uma nova gestão eletrónica para chegar aos 180 cavalos de potência, enquanto a transmissão recebeu uma caixa manual de dentes direitos e com seis velocidades. A distribuição da travagem podia ser ajustada no cockpit, o que permitia ao piloto “jogar” com o traçado da pista e tirar pleno partido da imensa rigidez do chassis do Spider.
Esta versão de competição, da qual só foram produzidas 90 unidades, proporcionou emocionantes corridas nos programas dos Grandes Prémios de Fórmula 1 na Europa, dando à Renault uma acrescida visibilidade e aos espectadores um excelente espetáculo, já que pelas características inatas do Spider e pelo equilíbrio técnico, as provas eram muitíssimo disputadas.
Entre 1995 e 1999, saíram 1.726 unidades do Spider da fábrica da Alpine. Com a maioria a ser vendida no mercado interno Francês e Alemão (em Portugal foram vendidas 7 unidades entre 1996 e 1998), é natural que o Renault Spider seja uma visão muito rara nas nossas estradas, o que também contribui para o estatuto de culto que o arrojado roadster alcançou em Portugal e além-fronteiras.
Passados 25 anos após o lançamento comercial, o Renault Spider continua a ser um objeto de desejo para os fãs de automóveis verdadeiramente especiais e um tributo ao espírito de inovação, arrojo e coragem que está inscrito no ADN da Renault desde a sua fundação.