quinta-feira, 13 de abril de 2023

Entrevista - Dra. Sari Arponen autora de "A Culpa é da Microbiota"



A Dra. Sari Arponen esteve à conversa com o "Cultura e Não Só" sobre o seu mais recente livro "A Culpa é da Microbiota", editado pela Editorial Planeta.

Durante a nossa conversa ficámos a conhecer o que é a Microbiota, os impactos de a negligenciarmos e o que podemos fazer para termos uma melhor qualidade de vida.


CNS - Como surgiu a Microbiota na sua vida?
Na realidade sempre me dediquei às doenças infeciosas e é nos ensinado, aos médicos, a importância da alimentação na saúde.
Faz pelo menos 15 que me comecei a debruçar sobre a importância da alimentação na saúde e comecei a ler os estudos, a ver o efeito da Microbiota, e há cerca de 6 anos dediquei-me a estudar este tema mais profundamente.
Anteriormente estudava a parte má das bactérias e comecei a estudar a parte boa.

CNS - Descobriu algo na sua vida que fazia de forma errada e que com esta nova informação mudou no seu dia-a-dia?
Sim, quase tudo, por exemplo, na alimentação e durante muitos anos comi cinco vezes ao dia, comia cereais, comida ultraprocessada, não comia verduras, petiscava muitas vezes ao dia, tudo coisas que agora já não faço…

CNS - Mas, não se resume só à alimentação correto?
Sim, também é muito importante o exercício físico principalmente para as pessoas que passam a maior parte do dia sentados.
É importante dormir bem e suficiente, as pessoas passam muitas horas a ver televisão ou na internet, igualmente importante é ter contacto com a natureza em particular para quem vive nas cidades que acaba por ter uma saúde pior porque não passeiam em zonas verdes.
As pessoas têm de controlar o stress crónico o que acaba por ser difícil na sociedade moderna.

CNS - Pegando nesse ponto do stress das sociedades atuais reconhece que seria importante fazer pausas e retomar hábitos antigos?
Em grande parte sim, obviamente não significa voltarmos às cavernas nem rejeitar toda a tecnologia que nos ajuda a viver.
Quando digo retomar hábitos antigos é termos os nossos tempos de descanso, estarmos mais em contacto com a natureza e a luz natural e ter uma comunidade de pessoas de confiança em vez de estarmos em contacto apenas por redes sociais.
As pessoas estão viciadas na tecnologia e nas redes sociais, está provado que passam em média 6 horas na internet entre o tempo passado no telemóvel e o computador, além do que despendem no trabalho ou na escola.

CNS - Para quem não tem ideia do que é a Microbiota como é que se pode explicar em termos fáceis?
O termo flora intestinal é o mesmo que Microbiota, só que flora intestinal vem do latim e referia-se também a plantas enquanto a Microbiota refere-se a micro-organismos que existem na boca, no intestino, na pele, nos genitais, e engloba as bactérias e vírus que fazem parte do nosso corpo.
Para entendermos como isto é importante temos de compreender que temos 22 mil genes em cada uma das nossas células, e o nosso corpo contem entre 3 a 10 milhões de micro-organismos que cumprem diversas funções, podemos assim entender a sua importância.
Antigamente pensava-se que estavam apenas ali e que não tinham nenhuma função importante, mas agora sabemos que cumprem muitas funções importantes para a nossa saúde.

CNS - Muitos estudos e de certa forma a cultura popular em Portugal afirma que é importante que as crianças brinquem na areia, peguem na relva, e se sujem, por oposição alguém que se lave demasiado, tome demasiados banhos não está a fazer bem à sua pele. Pode desenvolver um pouco mais estes aspetos?
Sim, na questão da higiene temos de entender que é bom termos a nossa própria higiene, mas que nos lavarmos em excesso faz com que tenhamos uma menor variedade e riqueza de Microbiota, aumentando as alergias.
Sabemos que as crianças que passam tempo na rua, a brincar, ao ar livre em contacto com a natureza, têm menos alergias e problemas de pele enquanto os que vivem na cidade e não saem tanto de casa têm mais problemas.
Não quero com isto dizer que lavar as mãos é mau, mas por exemplo se nos lavamos todos os dias com sabão e gel estamos a eliminar a Microbiota que nos beneficia.
 
CNS - A Dra. Sari Arponen fala da importância de um parto natural e do leite materno, explique-nos um pouco mais dessa relevância para os nossos primeiros anos de vida.
Na Microbiota fala-se da oportunidade dos primeiros mil dias de vida, desde o momento enquanto o bebé está no ventre da mãe até aos primeiros dois ou três anos de vida.
É neste momento que a Microbiota se programa e se forma, resulta que o sistema imunitário e as defesas do bebé e o seu cérebro desenvolvem-se muito nesta fase, se esta fase de desenvolvimento não se faz da melhor forma poderá vir a ter consequências no futuro.
Seria importante que o parto possa seja vaginal e que sejam evitados os antibióticos a menos que, seja estritamente necessário, a amamentação materna é essencial, no entanto existem mães que não julgam que dar o leite materno é pior para o bebé e optam por leite artificial o que é um erro.

CNS - Existem alguns estudos que façam essa relação entre os fatores que falou no início de vida e depois as consequências aquando da idade adulta?
Já existem alguns estudos que fazem essa relação, principalmente ligando-os a patologias metabólicas como a obesidade e as doenças alérgicas no entanto, existem também diversos fatores que levam a estas doenças.
Até ao momento não foi ainda possível fazer estudos a tão longo prazo onde vemos os primeiros momentos de vida, onde vivem, o que comem, porque a Microbiota é algo recente e ainda têm de passar muitos anos até compreendermos que parte da Microbiota é a que nos protege ao longo da vida.

CNS - Existe interesse em fazer esses estudos e financiamento?
Sim, existe muito interesse de vários países e de muitos laboratórios que já realizam estudos sobre a Microbiota como, por exemplo nos Estados Unidos, no Chile, na Coreia e na Europa.
O que se passa é que temos muitos laboratórios a fazer esses estudos, mas fazem-no de forma autónoma enquanto o ideal seria que todos colocassem a informação numa grande base de dados, para que agora com a inteligência artificial se pudesse analisar esses dados em vez de termos tudo separado.

CNS - Que desenvolvimentos têm surgido desses estudos?
Alguns estudos interessantes no que concerne à imunoterapia de alguns tipos de cancro, e chegou-se à conclusão de que quanto melhor estiver a Microbiota melhor irá funcionar a terapia.
Apesar de ser ainda recente tenho a certeza que daqui a alguns anos teremos tudo isto mais em atenção.

CNS - Acredita que alguns produtos naturais poderão ter um efeito melhor na proteção da microbiota em detrimento dos medicamentos ditos normais?
Bem, podem, mas com isto não quero dizer que por serem naturais esses produtos sejam inócuos.
Estes produtos podem ajudar-nos, mas se o que queremos é solucionar os problemas com um comprimido não é possível. Temos de cuidar da nossa alimentação, da nossa saúde através do exercício físico e de mudar o nosso estilo de vida, no final temos de entender que é esse estilo que condiciona tudo o que nos acontece.
Temos de ter noção que estamos a danificar o planeta com metais pesados, com os microplásticos, com a contaminação atmosférica, e que tudo isto vai regressar até nós. Mudar isto é difícil porque depende de uma consciência social.
Uma das coisas que as pessoas não se apercebem é a importância de ir ao dentista, e os tratamentos orais deveriam estar incluídos na saúde pública.
A respiração quando é feita pela boca, em vez do nariz, também não é benéfica.

CNS - O que é o Slow Medicine Revolution?
É um podcast que temos já com 15 episódios e é para incentivar uma medicina mais lenta, onde se escuta a pessoa e o paciente, mas para ajudar a refletir nas causas de tantas pessoas terem problemas de saúde.
No que diz respeito à saúde a perceção que temos é que quem a gere são os políticos, só que na verdade não fazem o que deveriam para as pessoas terem nutricionistas, dentistas, psicólogos, entre outros especialistas no sistema público.
Como os políticos não o fazem, temos de ser nós cidadãos e os profissionais de saúde a fazer mudança na forma de entender a medicina.