quarta-feira, 19 de abril de 2023

Vadio - A partir de Paul Auster



Vadio é um espectáculo que parte da obra Timbuktu de Paul Auster. Neste romance, Mr. Bones, um cão rafeiro, é forçado a abandonar o seu moribundo dono Willy Christmas, um excêntrico e problemático poeta desconhecido, natural de Brooklyn e descendente de imigrantes polacos, fugidos do Holocausto.

Após ter perdido o rasto de Willy, Mr. Bones tem a convicção de que o seu dono morreu e, tal como lhe tinha dito, vive agora em Timbuktu, o lugar para onde vão os mortos.
Depois de uns dias de vagabundagem, Mr. Bones encontra uma família que o acolhe, mas as saudades de Willy são insuportáveis.

O romance relata a história da vida de um cão, da relação com o seu dono e das suas aventuras enquanto cão vadio, depois de se separar dele. Mr. Bones é um cão inocente, pragmático e emocional que, de uma forma desconcertante e convincente, pensa e sente com a linguagem humana. Neste exercício de personificação, Paul Auster tem o condão de nos pôr a imaginar como seríamos nós se fossemos cães pois Mr. Bones assemelha-se mais a uma pessoa-cão, do que a um cão-pessoa.

A aventura da história de vida de Mr. Bones com e sem o seu dono e a sua forma de pensar e sentir o mundo dos humanos levanta, de forma poderosa, novas questões à velha pergunta “o que é viver”? Perguntas, entre outras, como: quais as coisas pelas quais vale a pena lutar? Quais os limites da nossa liberdade? De que forma o passado contamina o nosso futuro? Qual o futuro do capitalismo enquanto promessa de felicidade? Onde fica a fronteira entre a loucura e a sanidade? O que temos em comum com as outras espécies de animais? Do que precisamos para nos mantermos vivos? 

Este olhar do cão é importante para reflectir sobre aquilo que poderá ser considerado como um propósito de vida do ser humano, tal como é referido por Miriam Flores: “... Mr. Bones encontra o seu lar no amor e afecto que recebe de outros”.

O espectáulo faz uso do potencial dramático e performativo de um cão dotado de linguagem humana – o actor é um humano que representa um cão que fala, diz o que pensa e o que sente - bem como faz uso do potencial dramático existente no próprio acto narrativo: o cão narra a história da sua vida, a qual ainda não terminou.