quinta-feira, 27 de abril de 2023

Entrevista - Elenco da peça de teatro "Call Center"



“Call Center” é uma peça de 5 jovens actores portugueses que aborda a realidade do trabalho precário, do dilema enfrentado por vários profissionais entre seguir o sonho ou mudar para uma profissão que garante um salário fixo ao final do mês.

Os actores estudaram na academia Mundo das Artes, no terceiro ano fizeram um projecto final e a ideia de se juntarem surgiu do Duarte Mocho e da Inês Barros no final do curso, a vontade fazerem um projecto depois do curso.

Entre conversas e o alinhar de agulhas surge “Call Center” nas suas vidas e em Setembro de 2022 já estavam a colocar “mãos à obra", um aproximar de forma natural que Bárbara Rosa afirma terem beneficiado “do facto de estar no sítio certo à hora certa” e de terem um percurso “muito orgânico”. O "Cultura e Não Só" (CNS) esteve à conversa com o elenco da peça.

CNS - Como surgiu este “Call Center”?
Bárbara Godinho (B.G.) - Todos estudávamos na mesma escola de representação e deparámo-nos com um mundo fechado de oportunidades principalmente em Portugal e tivemos sempre professores que nos disseram “que se o trabalho não aparece têm de fazer por vocês, têm de arregaçar as mangas, juntarem-se e fazerem”. A escolha da peça e os temas vieram ao encontro da nossa problemática.

CNS - Se por um lado o comentário dos vossos professores poderia até ser desmotivante, no vosso caso deu-vos mais força para ir em frente…
Inês Barros (I.B.) - É sempre uma mensagem difícil de ouvir, mas o melhor a fazer é sempre optar pela sinceridade, e a partir do momento que temos noção que é uma área difícil e que as oportunidades podem não chegar também nos activa enquanto actores e também realça o nosso sentido de urgência.
Nós queríamos mesmo fazer alguma coisa e construir o nosso trabalho, lutar pelas nossas oportunidades, nesse sentido pensamos com quem gostaríamos de trabalhar? Trabalhar com amigos tem tanto de bom como de difícil, mas acho que em grupo, e com este grupo em particular, é sempre mais fácil ultrapassar as dificuldades.
B.G. - Mais do que fazer porque queremos fazer, é fazer para também criar oportunidade para uma próxima vez e com este espectáculo queremos mostrar não só àqueles que acreditaram em nós durante o nosso percurso que somos capazes de colocar uma peça em cena, mas também mostrar a pessoas da área que estamos aqui.

CNS - Como é que surgiu o texto da peça?
I.B. - É curioso porque o texto veio ter connosco, nós não o procuramos, o facto de ter aparecido e de ser um espelho da realidade que estamos a viver sem querer parecer clichê foi uma obra do destino. Terminamos um curso e todos trabalhámos durante o tempo da formação, então este aspecto de termos de trabalhar numa área que não é aquela que queremos ou que não faz parte do sonho para podermos alimentar.
Este texto veio na altura certa e acaba por ser um grito de revolta porque continuamos a alimentar o sonho apesar de todas as contrariedades, e esta é uma realidade que não é exclusiva só para actores.

CNS - Como foi o processo de trabalhar o texto e a construção dessas personagens?
I.B. - Nós encontramos o texto num dos livros do laboratório de escrita do Teatro Nacional D. Maria II e foi encontrado numa fase de pesquisa do texto que gostaríamos de fazer porque por este ser o nosso primeiro espectáculo não queríamos partir de algo totalmente feito por nós, o mais importante seria abordarmos um tema que gostaríamos de falar.
Entrámos em contacto com o Ricardo Correia que muito gentilmente nos cedeu o texto, tivemos de fazer algumas alterações porque inicialmente a peça estava escrita para mais de 5 actores, mas o nosso grupo já estava fechado e tínhamos a certeza que seria com estas 5 pessoas com quem iríamos trabalhar.
Um dos pontos positivos do texto original é que ele é habitado por um grupo de vozes, esse grupo tanto pode ser de vinte pessoas como de cinco, então as alterações que fizemos foram apenas uma redução de redistribuição entre nós.
Temos apenas umas pequenas mudanças e temos a questão da Marta, a personagem principal, que está num território por onde passamos todos.

CNS - Como é a dinâmica entre estes 5 personagens?
B.G. - Nós quisemos trabalhar muito a unidade e sentimos que na peça os cinco actores/trabalhadores de call center que estão todos a relatar a história da Marta são todos iguais uns aos outros.  
As interacções nascem muito da pouca individualidade que é permitida ter num trabalho precário…
I.B.- … E acrescentar também a ideia que quando estamos muito tempo num sítio onde não somos felizes damos por nós a perder a nossa identidade, então isso também nos levou a trabalhar as personagens desta forma, em que vão perdendo a identidade ao longo da peça.

CNS - O que é que o público pode esperar durante o espectáculo?
Bárbara Rosa (B.R.) - Acho que as pessoas se poderão identificar pela forma como a história é contada, até porque temos muitos momentos diferentes e queremos chegar a público mais largo, não quisemos criar só uma comédia ou um drama para que as pessoas possam agarrar em algo e levar consigo e pensar sobre o tema. Queremos provocar um momento de reflexão e que saiam a pensar “e eu?! O que me falta fazer para me sentir mais completo”.
Manuel Silva (M.S.) - A peça acaba por não se focar apenas na componente laboral, mas fala da vida da Marta, que pode ser qualquer um de nós, e como é estar preso numa vida que não é aquela que queremos e idealizamos. Queremos dar um pouco da vida real às pessoas, dar um pouco de gozo e não só o drama.
A ironia que utilizamos é mais para marcar um argumento ou um ponto de vista, em vez de apoiar um determinado acontecimento.

CNS - Existe a possibilidade de levar este “Call Center” a outras partes do país?
I.B. - Vai depender muito de como correr em Lisboa, mas gostaríamos de tornar essa hipótese em realidade

CNS - E projectos para o futuro?
B.R. - Escrevi uma peça no ano passado sobre saúde mental, em janeiro apresentei a peça ao grupo, porque faz sentido trabalhar com eles, porque somos amigos e, porque confio no trabalho deles.
Quando terminarmos o “Call Center” esperamos estrear a peça que escrevi

Call Center 
Datas: 4 a 7 de Maio
Local: Boutique da Cultura, Lisboa
Preço: 8€

Entrevista conduzida por Rui Costa Cardoso em exclusivo para o "Cultura e Não Só".