terça-feira, 18 de março de 2025

Telmo Pires edita a 21 de Março o EP "Fado Variações"



Do “corpus” musical de António Variações (1944-1984) podem dizer-se muitas coisas, mas há um facto indesmentível: o de a sua importância ser quase diametralmente oposta à sua dimensão. Com efeito, num curto espaço de dois anos, entre 1982 e1984, foi publicada a totalidade dos registos discográficos do criador: um single (desdobrado em máxi-single), com o original “Estou Além” e a espectral versão de “Povo Que Lavas no Rio”, e os álbuns “Anjo da Guarda” e “Dar &Receber”. Poderíamos, no entanto, estar perante um daqueles casos em que um músico é popular no seu tempo - porque António Variações foi-o, sem qualquer dúvida, ainda que primeiro se tenha estranhado e depois entranhado - mas cuja morte prematura faz esquecer os ecos dessa fama. Não é esse o caso de António Joaquim Rodrigues Ribeiro, o rapaz que nasceu no Minho quando a 2.ª Guerra Mundial ainda decorria mas que nunca reduziu a sua visão a um só território geográfico e artístico. A saudade, que neste ano de 2024 conta já quarenta anos, só tem valorizado o lugar cimeiro das canções de Variações - na sua voz e nas de outros, como agora é o caso.

Telmo Pires não nasceu no Minho - mas em Bragança, mesmo na região transmontana vizinha. Como António Variações, desbravou fronteiras e foi na Alemanha que começou o seu percurso, estreando-se em disco em 1998, com “Chansons Fado Lieder”. Seria com o terceiro trabalho, “Passos”, de 2004, que se afirma a cantar apenas em português, trilhando a partir daí um caminho cada vez mais pessoal. Primeiro ao lado da conceituada pianista alemã Maria Baptist (em “Sinal”, de 2009) e depois com “Fado Promessa” (2012), não por acaso o álbum do cantor com mais composições de sua autoria, a voz de Telmo Pires começa então a destacar-se de forma mais consistente. Os álbuns seguintes - “Ser Fado” (2016) e “Através do Fado” (2020) confirmam isso mesmo, trazendo versões de Maria Guinot, de José Afonso ou de Jorge Fernando ou ainda letras originais de Nuno Miguel Guedes ou de Tiago Torres da Silva para fados tradicionais. E é precisamente no penúltimo destes álbuns que encontramos a interpretação de uma canção inédita de António Variações, “Ao Passar por Braga Abaixo”. Com um pé na tradição, tão cara ao autor de “Sempre Ausente”, e outro no momento presente, esta parecia uma incursão natural - e é, de certa forma, o preâmbulo desta nova aventura de Telmo Pires. Como cúmplice privilegiado, está o músico Tiago Machado, responsável pelos arranjos e pela produção, para além de José Manuel Neto (e, pontualmente, Luís Guerreiro) na guitarra portuguesa.

Em formato de EP, com cinco faixas, esta viagem é especial no próprio percurso do cantor desde logo por ser a primeira vez que este dedica um trabalho inteiro à obra de um outro autor. As canções escolhidas vêm de momentos diferentes do percurso de Variações, começando no disco de estreia e indo até ao períodopós-1984, com “Adeus Que Me Vou Embora” (que primeiro ouvimos por Lena d’Água, no álbum “Tu Aqui”, de 1989, e, já em 2004, pelos Humanos). Se aqui é o acompanhamento ao piano (por Tiago Machado) que se destaca, com o arranjo de cordas a aumentar o tom de despedida anunciada na canção, já nesse inaugural “Estou Além” a interpretação de Telmo Pires traz uma placidez que parece contrastar com “a pressa de chegar” do original. Mas é neste jogo de tensões que se constroem os outros três momentos do disco, todos eles oriundos do álbum “Anjo da Guarda”. Num ambiente quase castiço, “O Corpo É Que Paga” tem um pé seguro no fado mas conta com um coro de amigos “sem juízo” que ajudam a que aversão fique descontraída e cativante. Desde a batida inicial, a releitura de “É p’ra Amanhã” está por seu lado próxima de uma tradição que é também “pop” e que faz perceber como algumas das vozes que se movimentam actualmente no fado devem mais a António Variações do que podem por vezes pensar. Isto porque, como se percebe de forma bem clara pela última versão, de “Voz-Amália de Nós” (único momento em que a guitarra portuguesa é entregue a Luís Guerreiro e não a José Manuel Neto), a nossa maior diva é de facto um dos eixos centrais da obra desta alma inquieta que, ao lado de alguns dos músicos mais marcantes de inícios de 80s, revolucionou a música portuguesa. E, na interpretação de Telmo Pires, esta canção mantém a força de uma invocação, casando tempos e fazendo pensar sobre oque poderão ser os próximos passos do cantor. Mas o momento é agora, sempre a dar e receber!



EP - Alinhamento Fado Variações

1.Voz-Amália-De-Nós
2.É p‘ra amanhã
3.Estou além
4.O corpo é que paga
5.Adeus que me vou embora