domingo, 3 de maio de 2020

Histórias com História - Paulo Nogueira


Dia 1 de Maio - Dia do Trabalhador

As referências simbólicas deste período do ano vêm de longe. Os romanos festejavam entre 30 de abril e 3 de maio as "Floralias", festa dos cereais e das flores. A Idade Média manteve viva a tradição, em comemorações pela "expansão da primavera" ou o "signo da alegria". Ainda no século XVI, surgiu a primeira associação da estação com o mundo do trabalho, quando legislações corporativas instituíram a jornada de trabalho de oito horas. Foi o caso da legislação de Felipe II, de Espanha, que estabeleceu este direito para os mineiros em 1573 e para os demais trabalhadores em 1593.
Celebrado anualmente em numerosos países do Mundo, o dia 1 de Maio também conhecido como o Dia do Trabalhador ou Dia Internacional dos Trabalhadores, sendo também um dia de feriado em alguns países do Mundo.



No século XIX, esta simbologia foi retomada pelo proletariado moderno, que começava a organizar-se. Antes mesmo da consagração da data, reivindicações trabalhistas inspiravam-se naquele período do ano. O movimento de padeiros irlandeses contra o trabalho noturno e o dominical no século XIX resultou nos "comícios de Maio", como os descreveu Karl Marx (1818-1883). As condições de trabalho, que eram em muitos casos de autêntica exploração, nomeadamente desde o início da Revolução Industrial iniciada em finais do século XVIII, sendo os operários forçados a trabalhar 12, 14, 16 e mais horas por dia, num regime de brutalidades e privações, na indústria, comércio e agricultura, em ambientes sem qualquer condições para o trabalho; muitos não tinham ventilação e iluminação adequada, eram extremamente sujos, etc. . Nem crianças nem grávidas eram poupadas. O militante anarquista norte americano desse período Oscar Neebe (1850-1916), fez uma descrição do contexto da época na sua autobiografia:
“Eu trabalhava numa fábrica que fazia latas de óleo e caixas para chá. Foi o primeiro lugar em que vi crianças de 8 a 12 anos trabalharem como escravos nas máquinas. Quase todos os dias, acontecia de um dedo ser mutilado. Mas o que isso importa… Eles eram remunerados e mandados para casa, e outros tomariam seus lugares. Acredito que o trabalho infantil nas fábricas tenha feito, nos últimos vinte anos, mais vítimas do que a guerra com o sul, e que os dedos mutilados e os corpos destroçados trouxeram ouro aos monopólios e produtores.”



Mas tudo remonta ao ano de 1886 quando nos EUA se realizou uma manifestação de trabalhadores nas ruas de Chicago no dia 1 de maio, convocada pela Federação dos Trabalhadores dos EUA, manifestação essa que tinha como objectivo reivindicar melhores condições para os trabalhadores. A exploração desmedida, sem qualquer tipo de escrúpulos, do trabalho infantil e feminino era uma fonte suplementar de lucro para empresários e capitalistas. Pretendeu-se com esta manifestação a redução das horas de trabalho para 8 horas diárias, tendo tido a participação de milhares de pessoas. Nesse mesmo dia teve início uma greve geral por todos os EUA, três dias depois houve um pequeno levantamento que acabou em escaramuças entre manifestantes e polícia, com a morte de alguns manifestantes. No dia seguinte nova manifestação é organizada com protestos pelos acontecimentos ocorridos nos dias anteriores, tendo terminado com o lançamento de uma bomba para o meio da polícia que começava a dispersar os manifestantes, matando sete agentes. Por sua vez, a polícia abriu fogo sobre a multidão, matando doze pessoas e ferindo dezenas. Tais acontecimentos passaram a ser conhecidos como a revolta de Haymarket. O episódio desencadeou uma perseguição a líderes do movimento operário. Depois de um processo suspeito, com carácter marcadamente político, sete deles foram condenados à morte por enforcamento, um deles cometeu o suicídio antes do enforcamento e três remanescentes receberam sentenças de prisão, mais tarde em 1893 revogadas, quando o governador concluiu que todos os oito acusados eram inocentes. 



A 20 de junho de 1889 o congresso operário internacional, reúne em Paris e decidiu convocar anualmente uma manifestação com o objectivo de lutar pelos direitos dos trabalhadores e as 8 horas diárias. O dia 1 de maio foi escolhido como homenagem às lutas sindicais e aos "Mártires de Chicago". No ano de 1890 os operários americanos conseguem conquistar finalmente a jornada de trabalho das 8 horas. Em 1 de maio de 1891 numa manifestação levada a cabo no norte da França, a polícia dispersa a manifestação resultando na morte de dez manifestantes. Este novo drama vem reforçar este dia como um dia de luta dos trabalhadores, tendo sido proclamado meses depois em Bruxelas pela Internacional Socialista como dia internacional de reivindicação de condições laborais. Passa a ser um dia de feriado em vários países como na França em 1919 e mais tarde em 1920 também na Rússia, tendo sido este exemplo seguindo por muitos outros países, principalmente após a II Guerra Mundial.
 


Rapidamente as comemorações do 1º de Maio chegaram a Portugal e os trabalhadores portugueses assinalaram-no logo em 1890, o primeiro ano da sua realização internacional. Mas neste dia os trabalhadores limitavam-se inicialmente a comemorar com alguns piqueniques de confraternização, com discursos pelo meio alusivos ao dia e algumas romagens aos cemitérios em homenagem aos operários e activistas caídos na luta pelos seus direitos laborais. Os operários portugueses sempre comemoraram activamente este dia com a solidariedade internacionalista, reclamando junto do patronato e das autoridades portuguesas o estabelecimento das 8 horas de trabalho diário e a melhoria das suas condições de vida e de trabalho.



Em 1919, após algumas das mais gloriosas lutas do sindicalismo e dos trabalhadores portugueses, foi finalmente conquistada a lei das 8 horas de trabalho para os trabalhadores do comércio e da indústria. Durante o período do Estado Novo apesar das proibições e repressão houve por diversas vezes manifestações de trabalhadores de diversas áreas. Como marco na história do operariado português ficaram as revoltas dos assalariados agrícolas dos campos do Alentejo no 1º de Maio de 1962, que até então trabalhavam de sol a sol.
Só a partir do ano da revolução do 25 de Abril de 1974, 6 dias após a manhã da liberdade, há 41 anos precisamente, é que se volta a comemorar livremente o dia 1º de Maio, organizado pela Intersindical criada em 1970 e este dia passou a ser feriado nacional. Neste dia há 41 anos, fizeram-se as maiores comemorações do dia 1º de Maio que há memória em liberdade e na nova democracia que estava a nascer. Era a consagração popular do dia 25 de Abril. Cerca de 500 a 600 mil pessoas nas ruas de Lisboa, talvez um milhão em todo o País (numa população de nove milhões), sem um único incidente a registar. Conseguem-se a partir daí profundas transformações económicas e sociais, conquistam-se liberdades e direitos fundamentais, melhorias nas condições de vida e de trabalho dos operários e suas famílias.



Este dia 1º de Maio, é comemorado por todo o País com manifestações, comícios e festas de carácter reivindicativo promovidas pelas centrais sindicais CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses), Confederação fundada a 1 de outubro de 1970 em Lisboa e UGT (União Geral dos Trabalhadores), Central Sindical fundada a 28 de outubro de 1978 em Lisboa. Nalgumas zonas do país organizam-se festas e piqueniques. As comemorações do 1º de Maio, em honra dos "Mártires de Chicago" e da luta de gerações e gerações de revolucionários, muitos deles sacrificando as suas vidas contra a exploração capitalista, constituem uma imponente jornada internacionalista de unidade e de luta por uma sociedade mais justa, fraterna e solidária, sem exploradores nem explorados. De salientar, que no calendário litúrgico se celebra neste dia a memória de S. José Operário, por se tratar do santo padroeiro dos trabalhadores.



Publicação feita ao abrigo do acordo de partilha de conteúdos entre o blogue "Histórias com História" e o site "Cultura e Não Só".
  
Texto:
Paulo Nogueira