sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Entrevista a João Pedro George autor do livro O Super-Camões - Biografia de Fernando Pessoa



O Cultura e Não Só (CNS) entrevistou o escritor João Pedro George sobre o livro O Super-Camões - Biografia de Fernando Pessoa.

Durante a entrevista o autor falou sobre os desafios de escrever uma biografia de um dos maiores e mais importantes escritores portugueses, sobre as diferentes facetas de Fernando Pessoa bem como sobre muitas outras curiosidades da vida de Pessoa que podem ser desconhecidas do grande público 

CNS - Passaram-se mais de 70 anos desde a última biografia de Fernando Pessoa escrita por um português na sua opinião existe alguma razão para este facto?
Esta é a primeira biografia de Fernando Pessoa depois da que foi feita por João Gaspar Simões, isto não tem nada que ver com qualquer tipo de nacionalismo bacoco, nem se pretende reivindicar para os portugueses a legitimidade para fazer uma biografia de Pessoa, é apenas uma curiosidade que tenham passados estes anos todos até se ter feito de novo uma biografia no sentido absoluto da palavra porque ao longo dos anos existiram vários ensaios de cariz biográfico, mas nunca nestes moldes
É curioso que desde a obra feita por João Gaspar Simões as biografias tenham sido sempre feitas por pessoas de outros países, como José Paulo Cavalcanti Filho, Richard Zenith, António Quadros, entre outros.

CNS - João considera-se um “Pessoano”?
Não me considero um "Pessoano" porque não faço da obra de Pessoa a minha vida profissional, sou doutorado em sociologia histórica, estou a fazer um pós-doutoramento em história. Embora seja um leitor de Fernando Pessoa desde a adolescência e tirando um artigo que escrevi para a revista visão para assinalar os 100 anos da revista do Orfeu e outros textos pontuais, nunca escrevi nada centrado na figura do escritor, nesse sentido não me posso considerar “Pessoano”, mas sou admirador de Pessoa.

CNS - O que o atraiu para fazer este projecto literário?
Aceitei este desafio da editora D. Quixote porque gosto muito do Pessoa e da sua escrita, é uma escrita que não tem paralelo no séc. XX português, e, porque é um autor muito vinculado a Lisboa, uma espécie de símbolo da cidade.
Quando passeamos pela cidade há muitos locais que estão associados ao Pessoa, há muitas ressonâncias de Lisboa na obra do escritor e que nos fazem fazer essa ligação entre os dois.

CNS - Alguma vez teve contacto com familiares/amigos próximos de Pessoa?
O meu melhor amigo, Diogo Freitas da Costa, é neto de um primo do Pessoa, por isso desde a adolescência que convivi com descendentes do Pessoa. O pai dele era filho do Eduardo Freitas da Costa que conviveu e escreveu sobre Pessoa, a casa deles tinha muitas referências (objectos, obras) que tinham sido de Fernando Pessoa

CNS - Porquê Super Camões?
Em primeiro lugar porque Pessoa é um superpoeta, um superescritor, pode-se dizer ser alguém que tinha uma espécie de super poderes como escritor, é sempre importante relembrar que escreveu uma vasta obra em quantidade e qualidade até aos 47 anos.
Este título refere-se também a uma profecia de Pessoa, num texto que ele escreveu e publicou na imprensa em Portugal, onde anunciava a vinda para breve de um superpoeta que iria destronar o autor dos Lusíadas em termos de importância na cultura portuguesa e na literatura.

Desde então muitos consideram que ele se estaria a referir a si próprio, e esta é também a minha opinião, pois é preciso ver que ele tinha uma queda para as profecias e para a literatura esotérica, mas mesmo que ele não estivesse a pensar em si próprio a verdade é que a profecia acabou por se realizar na posterioridade do Pessoa.

Na realidade Pessoa destronou Luís Vaz de Camões em termos de importância na cultura portuguesa tanto dentro em Portugal como no estrangeiro, atualmente Pessoa é o escritor português mais conhecido fora de Portugal, diria mais até que Saramago.

É preciso ter em conta que o Pessoa é tão importante e influente que temos várias pessoas que vieram viver para o nosso país por causa de Pessoa, um exemplo disso é o Richard Zenetti que se maravilhou com a capital portuguesa.

CNS - Qual o público-alvo deste livro?
O objectivo deste livro é ser tocar o grande público e não é direccionado para os “pessoanos”, se não fosse assim corria o risco de contaminar a narrativa com um certo jargão da crítica literária à qual eu quis fugir para que o Pessoa chegasse ao maior número de leitores
Mesmo quem nunca leu Pessoa não terá dificuldade em ler este livro, pois uma das primeiras regras que impus neste livro era que, apesar do seu tamanho, não aborrecesse os leitores e os fizesse interessar por Pessoa, que a partir deste livro procurassem ler o Pessoa.

Procuro mostrar que Pessoa é profundo sem ser pesado e obscuro, acho que tem muita densidade, mas com uma grande transparência na forma como explica e expõe as suas ideias.

CNS - Desvende-nos um pouco das várias facetas de Pessoa…
Esse ponto foi justamente um dos factores que me deixou perplexo à medida que ia fazendo esta biografia.

De cada vez que me surgia uma faceta da personalidade do Pessoa eu ficava abismado com a diversidade de interesses dele, com a capacidade de articular tantos interesses e dimensões da vida

Embora tivesse lido muito sobre Fernando Pessoa havia certos aspectos biográficos que me escapavam nomeadamente aspectos ligados à faceta de empresário frustrado, porque várias das suas empresas acabaram por não ter êxito.

Desde as revistas e os jornais à criação de empresas de exploração de minas em Portugal, à própria publicidade em Portugal visto que ele foi um dos pioneiros nesta área, a sua tentativa de criar uma empresa de produção de cinema, incluindo alguns argumentos que deixou incompletos para filmes.

Temos também a diversidade de géneros literários aos quais se dedicou como, por exemplo os contos, as novelas policiais, a poesia, prosa, ensaio, teoria política, humor, entre outros. 

Pessoa era uma espécie de professor pardal, ele inventou um jogo de tabuleiro, ele criou uma técnica de marketing inovadora na altura: criou umas palavras-cruzadas através das quais as empresas promoveram a sua marca aparecendo nas soluções das referidas palavras-cruzadas.

Foi o próprio Pessoa que criou a palavra heterónimo, e que hoje é usada em todo o mundo

Ele é um daqueles casos muito difíceis de explicar, mesmo para alguém que como eu estudou sociologia e acredita que é possível explicar as pessoas a partir da sua trajectória social e não como resultado de algo misterioso ou sobrenatural

CNS - Pode dar exemplos de uma faceta divertida e polémica de Pessoa.
Há um lado de pessoa que era muito divertido, e lembro-me muitas vezes daquela carta em que diz “escrevo para dizer que não tenho tempo para escrever” 

Mas depois no seu quotidiano remeto para aquilo que a sua sobrinha me contou a Sra. Manuela Nogueira que fez 97 anos no passado mês de novembro de 2022, que conviveu com o tio naquilo que é hoje a casa Fernando Pessoa, e que refere que Pessoa andava com ela no chão de gatas a brincar fingindo ser o pássaro Hibis. As cenas que ele fazia na Rua Coelho da Rocha, ao ver a sobrinha à janela fingia-se de bêbado e ia contra um candeeiro, entre muitos outros episódios.

Em relação ao lado polémico, talvez a sua defesa da maçonaria durante o seu último ano de vida, embora quem leia o artigo consiga compreender os argumentos e talvez até fique com alguma simpatia pela maçonaria.

CNS - O Jorge tem uma ideia singular para o dia 10 de Junho, que sugestão é essa?
Eu acho que faria algum sentido a mudança do nome de dia de Portugal, de Camões e das comunidades portuguesas, passando a chamar-lhe, de Portugal, de Pessoa e das comunidades portuguesas

CNS - Qual a sua obra predileta de Fernando Pessoa?
É muito difícil de escolher, mas talvez o Guardador de Rebanhos pela escrita tão simples, com coisas tão óbvias e tão surpreendentes, a simplicidade e filosofia tão orientais, a forma de olhar para a natureza tão bela.
No entanto, também gosto muito do seu oposto que é o livro do Dessassego, um livro mais urbano, depressivo, escuro.

Estes dois livros interpretam-nos e explicam muito bem os nossos dias.