quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Entrevista com a atriz Margarida Marinho autora de «A Magia das Boas Palavras»



O "Cultura e Não Só" (CNS) esteve à conversa com a actriz e escritora Margarida Marinho a propósito do seu mais recente livro “A Magia das Boas Palavras”, editado pela Bertrand Editora. Um livro dirigido a um publico juvenil mas que promete captar a atenção dos leitores de todas as idades.



A história que Margarida Marinho nos traz começa de forma inesperada à mesa de um café, e é a partir desta mesma mesa que somos transportados para o reino do rei Altazar. Nesta entrevista vamos á descoberta deste reino, da escritora e também da sua carreira literária.

CNS - No início do livro é-nos apresentado um café com uma mesa que tem a capacidade de inspirar quem nela se senta, a Margarida tem uma mesa ou um lugar onde a inspiração flua mais facilmente?
A mesa de café é um lugar simbólico para mim, e é curioso porque há medida que vou falando sobre o livro e vou traduzindo as coisas que ali estão inscritas, vão-me surgindo imagens. Uma dessas imagens é o café, porque sempre gostei de conhecer e reconhecer os cafés, de me sentar no seu interior a observar. Uma das experiências que tive foi a de percorrer Lisboa e os seus cafés, e introduzir-me à cultura quase epicurista do café, algo que está ligado ao escritor, alguém que se senta e que entre a filosofia e a literatura vai criando a sua arte literária.
Curiosamente quando vou a uma cidade vou sempre à procura de um café, e faço questão de me sentar e escrever algo, bem perto da minha casa existe um café pequenino frequentado por vários escritores, e que tem uma mesa maravilhosa que está num ângulo onde se pode ver quem entra e quem sai.

CNS - Foi num destes cafés que lhe surgiu a história desta princesa Olívia que encontramos no livro?
As ideias surgem-me em qualquer momento como a viajar de comboio ou a caminhar, depois surgem ideias para a estrutura do texto como uma teia e a história vai crescendo, pelo caminho existem muitos acontecimentos, eventos, personagens, que são atraídos para a história.
É aquele momento a que os autores se referem quando dizem que a escrita tem uma voz, nós somos agentes dessa transposição, quase como se a ficção revelasse em alguns momentos da escrita momentos da realidade, mas não é que a realidade se sobreponha à ficção, um desses exemplos é a Aldeia do Assobio que aparece no livro. Após de ter escrito a descrição da aldeia apercebi-me que era a igual à Quinta da Regaleira, em Sintra.

CNS - A princesa Olívia é inspirada em alguém?
A princesa não foi inspirada numa pessoa em particular, ela é inspirada na magia das boas palavras, em palavras que nos fizeram bem, palavras que nos fizeram ganhar coragem, termos liberdade e destruir todo e qualquer tipo medo.

CNS - De certa forma podemos então dizer que esta princesa funciona como uma espécie de catarse relativamente às palavras menos boas ouvidas durante a sua vida?
Tudo aquilo que um escritor escreve é sempre pessoal, mesmo que o tentemos fazer parecer como algo impessoal.
Procuro tentar falar de algo que seja verdade, obviamente sempre com a ideia de que não seja uma verdade pequenina, apetece-me falar de coisas que nos tocam a todos e que nos unem.

CNS - De que forma descreveria a princesa Olívia e a relação que tem com o pai (o rei Altazar)?
Creio que muitas vezes sentimos dívidas emocionais em relação às pessoas que nos rodeiam, e no caso a princesa perde a mãe aquando do seu nascimento.
Essa experiencia de nascer órfã apela à compaixão do próprio pai, e daí a fraqueza deste rei que tenta compensar a filha constantemente com bens materiais para fazer face ao que a vida roubou emocionalmente.
A princesa vive numa bolha que é rompida através de uma maldição, por consequência essa maldição vai forçá-la a entrar na vida real.
É engraçado termos os opostos da vida no castelo e a vida na aldeia, mas a arte vive também destas simulações, e é nestes exageros que encontramos as subtilezas da vida.

CNS - De onde surgiu a ideia das mãos/braços que nascem na cabeça da princesa?
Havia uma imagem muito clara na minha mente que está relacionada com a Deusa dos mil braços, Kuan Yin, que terei visto num museu em Paris, uma imagem muito forte que me transporta também para a imagem da Medusa.
Estas duas personagens têm um lado trágico, mas têm também o lado da mulher, da riqueza, da criadora, e digamos também da sua essência tentacular.
Nesta história falo por um lado de um humano rejeitado por todos os outros pelo seu lado tentacular, mas por outro lado é através do uso desse instrumento diferente de todos os outros que ela vai encontrar o seu igual. Se por um lado ela era um monstro, por outro lado foi esse mesmo monstro que se ligou primeiro aos outros, não foi a essência da Olívia enquanto princesa.
Se a imagem era a de uma deusa, e era essa a sua máscara, no entanto não foi esse atributo ou qualificação que a fez dominar os outros, ela deixou de querer fazer isso. Olívia poderia ter usado os seus braços/mãos para ter poder, ela usou o seu “defeito” para criar laços com os homens.

CNS - Pode dar-me o exemplo de palavras boas que a tenham marcado?
Acredito ser mais importante sermos nós a dizer essas palavras boas.
É sempre bom ouvir as palavras boas de outros, porque tens os olhos que brilham, estás interessado, gostas de aprender, é bom estar contigo e partilhar, é bom desenharmos e cantarmos.
Para mim é mais interessante dizermos a nós próprios “eu mereço”, “eu gosto de fazer isto”, “eu sou uma boa ouvinte”, é bom dizermos coisas boas sobre nós.
Não temos de dar aos outros as tarefas todas, sobrecarregamos os outros, dizemos que eles se têm de encarregar de nos fazerem sentir bem, acho que nós temos de fazer parte do trabalho.

CNS - Quando começa a sua aventura pela escrita ficcional?
Desde cedo que me pediram para escrever ficção nos jornais e a convite do Pedro Rolo Duarte que terá lido textos meus num ou noutro meio, fui convidada para escrever ficção no suplemento semanal do Dário de Notícias. 
Fui convidada para escrever romances, mas durante esse período de tempo ganhei consciência que queria escrever algo que me desse alguma luz e retirar-me dos textos dramáticos, sofridos e pesados que escrevia até então.
Aí começou a minha experiência com o meu livro “Tattoo: De Noite, Um Cavalo Branco”.
Apesar toda esta escrita senti que necessitava resgatar a criança que existe em mim e que terei traído no passado. Algo que todos fazemos, talvez para nos adaptarmos e fazermos parte do grupo, deixamos uma parte de nós num sítio qualquer no passado, vestimos a máscara e somos valentes, cool, e vamos crescendo nessa fórmula.
Ao escrever para crianças resgato essa parte e a vou ao encontro dessa criança que está à minha espera.

CNS - Que outras aventuras literárias se seguem?
Acabei um manuscrito literário para crianças de uma faixa etária mais nova e estou a escrever um livro para adultos.
Tenho também outro livro que estou a escrever para um público-infanto juvenil que não é uma continuação deste «A Magia das Boas Palavras». Nenhum destes livros tem para já uma data de publicação.

CNS - Como é a sua rotina quando escreve?
Tenho a minha família, faço coisas normais como os pequenos-almoços, levar a minha filha à escola, etc. Regresso a casa e ponho-me a escrever, isolo-me e foco-me, dedicando cerca de 6h diárias à escrita.
Quando tenho que viajar levo o computador para todo o lado e escrevo em todo o lado.

CNS - Fora do campo literário, o que pudemos esperar da Margarida Marinho actriz?
De momento estou a gravar uma série e também estou a preparar um filme que sairá em breve.

Entrevista conduzida por Rui Costa Cardoso em exclusivo para o "Cultura e Não Só".