sexta-feira, 12 de abril de 2024

Director's Cut & Retrospectivas na 21ª edição do IndieLisboa



Este ano, quando se comemora os 50 anos sobre a revolução de abril, a programação do IndieLisboa olha para trás sem perder de vista o presente, com duas retrospectivas – a obra urgente de Kamal Aljafari, realizador e artista visual palestiniano; e uma homenagem às Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do Movimento das Forças Armadas (MFA), com a exibição de alguns dos filmes que foram mostrados nessas campanhas, de autores como Cinda Firestone e o Grupo SLON de Chris Marker, contextualizadas com as reportagens da RTP feitas à época, que mostram um país efervescente. Como é habitual, a secção Director’s Cut, explora reflexões sobre cinema, filmes recuperados e recontextualizados, num diálogo constante entre passado e presente. A 21ª edição do IndieLisboa acontece de 23 de maio a 2 de junho, nas salas habituais - Culturgest, Cinemateca Portuguesa, Cinema Ideal, Cinema Fernando Lopes, Cinema São Jorge e Piscina Municipal da Penha de França.

Retrospectiva Movimento das Forças Armadas
As Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA, projecto iniciado em Outubro de 1974 e terminado no final de 1975, tinham como objectivo fundamental a divulgação e o esclarecimento do Programa do MFA e a consolidação progressiva, com confiança mútua, da ligação Povo - MFA. Ainda assim, outros objectivos foram determinados, como a inclusão de intervenções artísticas um pouco por todo o país, com o objectivo de se criar uma nova rede cultural, assentes na ideia de que as Forças Armadas eram rigorosamente apartidárias mas não apolíticas. Esta retrospectiva recupera alguns dos filmes, em alguns casos as cópias exibidas na altura, mostrados durante estas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica, sempre em diálogo com o contexto criado pelas reportagens da RTP, que mostram um país expectante e esperançoso.



O Contra Cinema de Kamal Aljafari
Tornar presente o que de outra forma parece estar ausente da narrativa dominante sempre esteve no âmago da criação em Kamal Aljafari, realizador nascido em Ramla, na Palestina, em 1972. Seja através do testemunho das paredes destruídas ou terraços em construção que parecem quase suspirar aos nossos olhos, ao lado de bulldozers omnipresentes (The Roof | Balconies | Port of Memory), do registo inesperadamente comovente da vida quotidiana dos vizinhos, no bairro onde vive a sua família (An Unusual Summer), da humanidade refugiada transformada em números numa sala de espera em Berlim (It’s a Long Way from Amphioxus), duma encenação de guerra perante um inimigo que não se encontra em lado algum (Paradiso, XXXI,108), do gesto que permite catapultar os palestinianos e a cidade de Jaffa para o protagonismo em filmes populares israelitas e americanos dos anos 60 a 90 (Recollection), ao resgate da memória visual de um povo que teve o seu arquivo saqueado e levado para Israel (A Fidai Film).

A obra do autor expande cada vez mais as delimitações conceptuais e formais impostas pela gramática convencional cinematográfica e desbrava um novo território de cinema político que reivindica uma possível “justiça cinemática” perante a realidade, que vai muito além do historicismo objectivo, do documentário didáctico de preocupações sociais. Prevalece a subjectividade ao mesmo tempo que se desconstrói o cinema como ferramenta de colonização e opressão, numa ocupação cinematográfica que funciona como uma reivindicação que é a sua resposta perante a urgência que a realidade clama.

Director’s Cut
Realizado por Tereza Trautman em 1973 quando tinha apenas 22 anos, em plena ditadura militar brasileira, Os Homens Que Eu Tive questiona os padrões culturais rígidos da época, e o que era ou não permitido a uma mulher. O filme, recuperado pela Cinemateca Brasileira, é um soft-core feminista corajoso, visto à época como uma ameaça moral aos valores da família patriarcal burguesa. R21 aka Restoring Solidarity, de Mohanad Yaqubi, recupera, a partir de um conjunto de 21 bobines de 16mm de um colectivo de cineastas militantes, o movimento japonês de solidariedade com a Palestina e a causa da autodeterminação. A recuperação destes trabalhos resultou num filme de intervenção que questiona a universalidade de determinadas lutas políticas. Várias das bobines recuperadas e aqui apresentadas foram polemicamente censuradas na Documenta 15. 

Nas curtas, o grande destaque vai para a colecção de quatro curtas que Chantal Akerman fez como parte do exame de admissão ao Institut Supérieur des Arts. O Primeiro Olhar de Chantal Akerman mostra, com uma inocência e pureza surpreendentes, a vida na cidade de Bruxelas e em Knokke, na costa belga, e incluem a irmã e a mãe da realizadora, que será uma figura recorrente da sua futura obra.