quarta-feira, 24 de abril de 2024

Entrevista - Paul Christopher Manuel autor de "Vozes da Revolução — revisitando o 25 de Abril de 1974"



Com as celebrações do cinquentenário do 25 de Abril a todo o vapor, o Cultura e Não Só entrevistou o autor Paul Christopher Manuel a propósito do lançamento do seu livro «Vozes da Revolução — revisitando o 25 de Abril de 1974», editado pela Tinta-da-china em parceria com a Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril.

Esta é apenas a primeira parte de uma conversa que nos leva a descobrir as vozes que fizeram o 25 de Abril e também detalhes curiosos de uma família luso-descendente alheada da política portuguesa até ao momento em que o patriarca se vê envolvido num episódio insólito.



Cultura e Não Só (C.N.S.) - Qual é a sua ligação com Portugal?
Paul Christopher Manuel (P.C.M.) - A minha ligação com Portugal é pessoal e profissional, começa com a história da minha família.
Os meus avós nasceram em Portugal, eram de uma pequena vila perto de Santarém e vieram para os Estados Unidos da América em 1919.

O meu avô trabalhou nas minas de carvão durante a Primeira Guerra Mundial, não tinha qualquer tipo de educação escolar, assim que atingiu a maioridade e conseguiu juntar algum dinheiro informou os seus pais que vinha para os E.U.A. porque na altura não tinha qualquer perspectiva de vida.

Ele contou-me que quando teve de deixar a aldeia conseguia ouvir o eco da voz da sua mãe a chamar por ele a dizer “filho, fica!”.

O meu avô era muito peculiar porque na realidade nunca deixou Portugal, ao contrário da restante diáspora ele regressava todos os anos à sua aldeia.

Quando o meu pai nasceu em Rhode Island, a minha avó ainda era portuguesa e o meu pai teve dupla-cidadania, por isso é que também tenho a cidadania portuguesa.

C.N.S.- Lembra-se da primeira vez que visitou Portugal?
P.C.M. - Eu era adolescente quando fui a Portugal pela primeira vez e a primeira paragem que fizemos foi no cemitério em Alcanede, para visitar a minha bisavó, e ele dizia-lhe “mãe, voltei.”
É uma ligação muito profunda e forte com o país.

C.N.S.- A sua família era muito ligada à realidade política em Portugal?
P.C.M. -  Os meus avós não se preocupavam com a política portuguesa, eles votavam sempre nos democratas nos E.U.A, mas era o máximo que se falava de política em casa.
Para eles, o importante era Fátima, Fado e Família.

C.N.S. -  Como surge este interesse com o 25 de Abril de 1974?
P.C.M. -  Os meus avós ficaram chocados quando vieram a Portugal no ano de 1975, eles iam visitar um amigo chamado Manuel Santos que vivia em Rio Maior, um percurso de 30 minutos de carro.
Eles estavam no carro à espera do amigo quando o meu pai que estava com uma grande dor de cabeça, decide ir à farmácia buscar uma aspirina, enquanto os restantes ficaram a aguardar o amigo.
O meu pai sai e só regressa passado mais de uma hora, segundo a minha avó ele parecia ter visto um fantasma, estava pálido e assustado.

O meu pai caminhou até à praça principal, onde durante a noite os militantes socialistas apreenderam e destruíram carros e armas que pertenciam aos militantes comunistas. Ele entra neste cenário de destruição e começa a tirar fotos.

Deveriam estar na praça perto de 200 a 300 pessoas que o cercaram porque pensavam ser um jornalista que fazia parte de um jornal comunista, queriam tirar-lhe a máquina fotográfica para se vingarem dos comunistas.

Começaram logo a confrontá-lo na praça, a acusá-lo de ser um espião, comunista, e o meu pai só conseguia dizer que não era nada disso e que era americano, só que o meu pai não soava como um americano, ele sentiu-se ameaçado e que a sua integridade física ia ser posta em causa, a sorte foi que no meio da multidão estavam três primos que o reconheceram e identificaram.

Quando me encontrei com o meu pai perguntei-lhe o que se passava em Portugal, porque era um país calmo e pacifico, e de um momento para o outro com este acontecimento a nossa família ficou mais interessada na política.

No inicio do meu livro conto a história do ponto de vista da diáspora, que via o país como algo estável e tradicional. Como tínhamos a nossa liberdade na América não existia noção dos abusos do regime.

C.N.S. - Quando teve contacto com a revolução em Portugal?
P.C.M. - Estava a estudar em Boston quando se deu a revolução, e no ano de 1976 vim a Portugal para estar com a família.

Ao sair do aeroporto vi os retornados, vi os graffitis e também vi o país parar para ver o discurso do presidente Eanes.

Esperava ver um país calmo e ordeiro, mas estava tudo muito agitado. Como referi fiquei com a família em Porto de Mós, e nessa altura a vila apenas tinha 3 cafés, um para comunistas, um para socialistas e outro para o PSD/CDS.

Apercebi-me que tinha havido um corte com o passado e que a juventude estava atraída pelo comunismo europeu.

C.N.S. - Em que momento percebeu que tinha de falar sobre a revolução do 25 de Abril?
P.C.M. -  Foi algo que demorou tempo até me aperceber, porque tal como o meu avô eu ia todos os anos a Portugal.
Na altura eu inscrevia-me em cursos para os luso-descendentes aprenderem português, e em 1988 decidi que queria fazer a minha dissertação sobre Portugal apesar de não ter um tema em específico.
Inscrevi-me num curso para luso-descendentes em Coimbra, e acontece que têm um centro de documentação do 25 de Abril, alguns dos meus colegas e amigos falaram-me deste centro e incentivaram-me a ir visitar este centro.

Comecei também a interessar-me sobre as origens da democracia e a verdade é que ninguém liga a Portugal, tivemos um momento na história em que controlávamos o mundo e isso desapareceu, mas de repente vem uma terceira onda democrática e um dos meus professores indica-me esta onda de que ninguém falava e que tinha origem em Portugal.

Pensei para mim ao ver os recursos que tinha em Coimbra e ao presenciar todas as mudanças a que tinha assistido que era o momento para falar com os Capitães de Abril, porque eles estavam disponíveis para falar ao mesmo tempo, eu era visto como um estranho por ser americano e estar a estudar a história mas também era visto como português pelas minhas raízes ao país.

A directora do Centro 25 de Abril a Dra. Natércia Coimbra começou a telefonar em meu nome, e apresentou-me a todos os capitães, depois conheci o Vasco Lourenço que me colocou em contacto com outros capitães através da Associação 25 de Abril.

Através de amigos que trabalhavam para o Presidente Mário Soares fui também estabelecendo contactos com outras pessoas ligadas à revolução.

Os meus maiores interesses ao falar com os capitães era o porquê de terem feito a revolução, mas principalmente que refletissem naquilo que tinha lido sobre Portugal ter lançado esta nova terceira revolução da democracia no mundo, e se eles concordavam ou não com esta ideia.

Continua……

Entrevista conduzida por Rui Cardoso em exclusivo para o "Cultura e Não Só".