«À distância nem se percebe muito bem de que são feitas as paredes desta capela. Podia ser papel de parede texturizado. São feitas de ossos», mais especificamente de crânios, fémures e tíbias, explica Rafaela Ferraz, autora do mais marcante livro a chegar às livrarias na rentrée literária. Na linha do turismo insólito, ou negro, Portugal de Morte a Sul repousa nas prateleiras a partir de 4 de setembro.
A frase acima refere-se à Capela dos Ossos de Faro, mas poderia referir-se a tantas outras que existem pelo país fora, de norte a sul. «Os ossos para as capelas têm de vir de algum lado, não é verdade? E os esqueletos das coleções antropológicas? Santos que resistem à decomposição?» É para responder a estas e tantas outras perguntas que Rafaela Ferraz nos convida a enveredar por este guia de últimas viagens, que aborda a temática da morte de uma perspetiva ainda pouco explorada em Portugal: percorrendo cemitérios e igrejas, santuários e museus, locais públicos e semipúblicos que permitem que nos aproximemos dos que partem – e do seu cerimonial.
«Quando leio sobre a forma como eram utilizadas [as valas comuns], penso numa receita de pastelaria: depositava-se uma camada de cadáveres, com ou sem caixão, depois uma camada de terra bem calcada e, em seguida, outra camada de cadáveres», descreve a autora num roteiro que começa nos cemitérios e progride até aos museus, onde a morte também está presente, muitas vezes exposta em vitrinas. «Esta mania muito portuguesa de empilhar caixões em prateleiras dentro de um jazigo, cobertos apenas por um naperon, pode parecer bizarra a quem não partilha da mesma norma cultural». Cada espaço inspira uma reflexão e cada corpo protagoniza uma narrativa, convidando à contemplação da nossa própria mortalidade.»
Inusitado, original, inovador – Portugal de Morte a Sul abre as portas ao tema da morte de uma perspetiva ainda pouco explorada no nosso país.
Sobre a Autora
Rafaela Ferraz é escritora e investigadora independente. Licenciada em Criminologia e Mestre em Medicina Legal pela Universidade do Porto, é coautora do livro Death and Funeral Practices in Portugal (Routledge, 2022), uma obra pioneira que oferece uma visão abrangente sobre a evolução das práticas funerárias portuguesas. O seu trabalho tem sido publicado em revistas estrangeiras e nacionais, como Atlas Obscura e Hyperallergic, nos EUA, History Today, no Reino Unido, e Shifter e Almanaque em Portugal.