terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Rui Lage vence Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís


Com produção poética já publicada, Rui Lage venceu o Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís, por unanimidade do Júri, aos 42 anos, com o seu primeiro romance “O Invisível”, que propõe uma abordagem ficcional do lado mais oculto de Fernando Pessoa. O Prémio foi instituído, pela primeira vez, em 2008, pela Estoril Sol, no quadro das comemorações do cinquentenário da Empresa.

Ao eleger “O Invisível”, o júri considerou tratar-se de “um romance com notável fulgor imaginativo” no qual “a figura histórica de Fernando Pessoa é tornada personagem de romance e colocada no centro de uma trama de ficção muito original, que cruza criativamente referentes conhecidos da época e Cultura Pessoanas, particularmente a sua vertente ocultista e/ou esotérica”. 

O autor, Rui Carlos Morais Lage, de seu nome completo, nasceu no Porto em 1975 e é licenciado em Estudos Portugueses e Ingleses pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, instituição na qual se doutorou em Literaturas e Culturas Românicas - especialidade em Literatura Portuguesa. 

É autor de poesia, com sete livros publicados entre 2002 e 2016, entre os quais “Estrada Nacional” (distinguido com o Prémio Literário da Fundação Inês de Castro, em 2016,  e finalista, em 2017, do Prémio P.E.N. Clube de Poesia), e de ensaio (com destaque para “Manuel António Pina”, publicado pela Imprensa da Universidade de Coimbra em 2016), bem como de crítica literária, ficção infantojuvenil e antologias (“Poemas Portugueses: Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI”.

Deputado na Assembleia Municipal do Porto e membro do Conselho Municipal de Cultura do mesmo município, é actualmente professor de História Cultural do Teatro na Licenciatura em Artes Dramáticas da Universidade Lusófona e assistente parlamentar no Parlamento Europeu, onde trabalha nas áreas dos assuntos externos e dos direitos humanos.

É este o currículo, a traço rápido, do vencedor do Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís – 2017.
A propósito de “O Invisível”, Rui Lage explica que a génese do romance surgiu-lhe “quando li pela primeira vez certa carta enviada por Fernando Pessoa à sua “Tia Anica”, datada de 24 de Julho de 1916, perguntei-me se não haveria ali matéria para um romance: participação de Pessoa em sessões “semiespíritas”, “mediunidade legítima”, “visão astral” e “visão etérica” (com um notório episódio ocorrido na Brasileira do Rossio, em que terá visto “as costelas de um indivíduo através do fato e da pele”), escritos “automáticos” ditados por entidades incorpóreas”.

“Posteriormente – conta Rui Lage -, prendeu-me o interesse de Pessoa pela “quarta dimensão”, que teve em comum com inúmeras personalidades das vanguardas do início do séc. XX, de Apollinaire a Duchamp, passando por Picasso, e com diversos matemáticos e físicos teóricos, de Poincaré a Einstein, tendo deixado rasto em escritores como Oscar Wilde, Kipling, Fitzgerald ou Conrad. O conceito da “quarta dimensão”, que, não obstante a sua complexidade, alcançou enorme popularidade, foi identificado por alguns com uma dimensão suplementar do espaço, inacessível à comum percepção humana, na qual se diluíam as categorias ordinárias com que pensamos a realidade, perdendo sentido as fronteiras entre o finito e o infinito, o visível e o invisível”. 

Numa narrativa de malha fina, Rui Lage lembra que Pessoa “assimilou elementos de várias dessas concepções, tendo especulado sobre uma “quarta dimensão da mente”, plano de radical liberdade criativa – e de promiscuidade entre “magia” e criação literária –, onde vários podiam coexistir no mesmo, e que ele refere, aliás, num texto a propósito da criação heteronímica, como lugar onde teriam surgido Reis, Campos e Caeiro num “golpe de magia intelectual”.

Houve, contudo uma passagem “que me “deu” o romance, que verdadeiramente me decidiu a escrevê-lo”. Foi encontrá-la, diz Rui Lage, na “Declaração de Diferença”, texto assinado por Bernardo Soares (com a indicação “para ser inserta no Livro do Desassossego”).

Revela ainda Rui Lage não nutrir “especial fascínio pelo ocultismo e pelo espiritismo. O meu princípio orientador é a razão. Mas fascina-me o fascínio do nosso maior génio literário por tais matérias: pelas “artes do escondido”, por uma realidade velada e inexplorada, uma dimensão superior, suprassensível, onde até as leis da física se estilhaçam. Sobretudo quando a própria física teórica já não descarta a possibilidade de dimensões suplementares e contraintuitivas, como se vê pela Teoria de Cordas ou pelas teorias do multiverso”. 

Depois, “a partir destes motivos fui desfiando uma trama que tem Fernando Pessoa como principal protagonista, inventando-lhe um percurso existencial alternativo que se cruza com personagens reais ou efabuladas, alterando vários aspectos da sua biografia mas mantendo o maior número possível de informações verídicas, atestadas pelos seus biógrafos. Por outro lado, não resisti a preencher com elementos ficcionais um dos mais estranhos vazios autobiográficos da cultura portuguesa: os nove anos passados por Pessoa na África do Sul, dos quais ele não deixou praticamente rasto na sua obra literária, apesar de parecer impossível que a paisagem humana e natural de Durban não tivesse de alguma maneira marcado uma personalidade em formação como era a dele nessa época. Essa lacuna permitiu-me fabricar uma génese para as inclinações mediúnicas e ocultistas de Pessoa”.

“Neste romance – reconhece o autor - convergem vários géneros: desde logo o fantástico e o romance histórico (quer Portugal quer a África do Sul são reconstituídos, na sua inserção epocal, com o máximo rigor que me foi possível); mas também o rocambolesco e o satírico, para além de elementos do romance policial (a personagem de Pessoa deve aqui alguma coisa à tradição norte-americana dos “occult detectives”, com ascendentes em Poe e Conan Doyle”.

E enfatiza: “Interessava-me colocar Pessoa em situações incómodas, desconcertantes, fora do seu ambiente lisboeta (já tão explorado noutras ficções), para agudizar contrastes e convocar um mundo arcaico, telúrico, atormentado por influências e presenças invisíveis. Eis porque, com certa dose de perversidade, transportei Pessoa para uma aldeia fictícia, na serra do Alvão, pondo-o a interagir com uma comunidade ensimesmada, radicalmente extemporânea”.

“O Invisível” teve três versões antes de se sagrar como vencedor do Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís e demorou cinco anos a escrever, passando por “longos períodos de pousio”. 

O Júri que o atribuiu, além de Guilherme D`Oliveira Martins, que presidiu, em representação do CNC – Centro Nacional de Cultura, integrou José Manuel Mendes, pela Associação Portuguesa de Escritores; Maria Carlos Gil Loureiro, pela Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas; Manuel Frias Martins, pela Associação Portuguesa dos Críticos Literários; e, ainda, Maria Alzira Seixo e Liberto Cruz, convidados a título individual e Nuno Lima de Carvalho e Dinis de Abreu, em representação da Estoril Sol.

O Regulamento do Prémio Revelação, que deixou de fixar um limite de idade para os concorrentes, manteve, contudo, a exigência de serem autores portugueses, ”sem qualquer obra publicada no género”. 

A iniciativa conta, desde o primeiro momento, com o apoio da Editorial Gradiva, que assegura a edição da obra vencedora, através de um Protocolo com a Estoril Sol.