Com o romance “Um Passo para Sul”, Judite Canha Fernandes, sagrou-se vencedora da 11ª edição do Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís, por maioria do Júri, presidido por Guilherme d’Oliveira Martins. Recorde-se que, o Prémio foi instituído, pela primeira vez, em 2008, pela Estoril Sol, no quadro das comemorações do cinquentenário da Empresa.
Ao eleger “Um Passo para Sul”, o júri considerou tratar-se de “um romance fundado num triângulo geográfico e existencial, repartido por Cabo Verde, São Tomé e Açores. Os registos linguísticos e imaginativos do crioulo inscrevem-se criativamente na estrutura global da narrativa, contribuindo para a formatação de uma linguagem literária muito estimulante”.
O Júri realçou, ainda, o facto de “Um Passo para Sul” ser “um romance em que o amor, mas também a violência terrível exercida sobra as mulheres, se constituem em traves mestras do universo existencial dos personagens. Se o final deste romance sugere um futuro de esperança e luminosidade, não faz esquecer a contundência psicológica que o estrutura e que a todos nos agride no seu alcance humano e social mais profundo”.
A autora, Judite Canha Fernandes, nasceu no Funchal e aos oito anos foi viver para Ponta Delgada, onde cresceu. É escritora, performer, feminista, bibliotecária, activista, mãe, investigadora, sem nenhuma ordem em especial.
Gosta de coisas muito diferentes e é algo avessa à ordem, como se intui. Foi representante da Europa no Comité Internacional da Marcha Mundial das Mulheres entre 2010 e 2016. Deu conferências e palestras um pouco por todo o mundo nas temáticas relativas a género e feminismos. É doutorada em Ciência da Informação, licenciada em Ciências do Meio Aquático, pós-graduada em Ciências Documentais, Biblioteca e Arquivo.
E conta sobre si: “Em 2015 tomei a decisão radical de me dedicar por completo à escrita. Era uma decisão adiada desde a infância, que tive a coragem de tomar nesse momento por um equilíbrio de circunstâncias pessoais e de vontade. Digo desde a infância porque desde que comecei a ler, não só comecei a ler muito, em todos os bocadinhos que tinha, como soube que queria “aquilo”. Queria fazer “aquilo” que os livros me proporcionavam. Falo deste momento por me parecer importante para poder dizer algo sobre como me fui fazendo romancista. Também porque dedicar-me a um trabalho onde é difícil sobreviver financeiramente, a não ser que tenhas o privilégio do desafogo financeiro ou da riqueza, é uma decisão radical. Para mim foi trabalhos a que me tinha dedicado até aí tomavam-me todo o tempo e aquele que restava, além do que queria para a minha vida pessoal, era dedicado aos ativismos. Ora escrever exige tempo. Tomei esta decisão no sentido do tempo”.
Numa retrospectiva sobre o seu percurso literário, recorda: “O início desse processo passou por reabrir dez anos de cadernos, voltar a ler o que fora escrevendo e tentar compreender o que eventualmente tivesse forma de livro. Nesse processo, as primeiras coisas que surgiram, mais prontas, foram poesia, que de algum modo é uma linguagem literária que me surge mais naturalmente. Um dos primeiros livros que escrevi neste período foi caderno de música, livro que não cheguei a publicar. Esse livro é precisamente um exercício em torno dessa minha longa e profunda indecisão, também por uma necessidade de brincar com isso, de me auto-provocar”.
A ficção foi chegando progressivamente. Segundo Judite Fernandes, “Sentia que era uma área de experimentação que queria muito desenvolver e que há na ficção, para mim, um processo mais consciente, mas estruturado, do que na poesia. Tinha alguns esboços de contos, tive vontade de trabalhar o primeiro, o conto muito curto e fui progressivamente estendendo essa dimensão, no sentido de uma prática que me aproximasse gradualmente de estruturas mais complexas”
Quis também “ existir a respiração necessária a que uma história mais complexa se pudesse construir, poder ver detalhes, deixar que personagens se fossem dando a conhecer, até poder conviver com elas o tempo necessário para que o romance se escrevesse”.
“Um passo para Sul” foi surgindo assim. Tive uma bolsa da lusofonia que me apoiou na criação e me permitiu voltar a Cabo Verde, lugar onde vivi e onde se passa parte do romance. É o meu primeiro romance. Que seja uma boa história, é o que desejo. Poder escrevê-lo foi maravilhoso”.
O Júri que atribuiu o Prémio, além de Guilherme D`Oliveira Martins, que presidiu, em representação do CNC – Centro Nacional de Cultura, integrou José Manuel Mendes, pela Associação Portuguesa de Escritores; Maria Carlos Gil Loureiro, pela Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas; Manuel Frias Martins, pela Associação Portuguesa dos Críticos Literários; e, ainda, Maria Alzira Seixo e Liberto Cruz, convidados a título individual e Nuno Lima de Carvalho e Dinis de Abreu, em representação da Estoril Sol.
Recorde-se que, o Regulamento do Prémio Revelação, que deixou de fixar, em 2016, um limite de idade para os concorrentes, manteve, contudo, a exigência de serem autores portugueses, ”sem qualquer obra publicada no género”. A iniciativa conta, desde o primeiro momento, com o apoio da Editorial Gradiva, que assegura a edição da obra vencedora, através de um Protocolo com a Estoril Sol.