segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Um livro magnífico que sintetiza a obra de um sábio



Levemos a sério a práxis cultural dos outros: o apelo é de Marshall Sahlins, figura maior da antropologia que nos deixou tristemente em 2021 e que em A Ciência Nova do Universo Encantado, documento derradeiro e sublime do autor que a Temas e Debates faz chegar às livrarias portuguesas a 21 de setembro, revela toda a sua brilhante erudição.

Há cerca de 2500 anos, iniciou-se uma revolução cultural de proporções histórico-mundiais que prossegue até aos dias de hoje. «A mudança fundamental prendeu-se com a conversão da divindade de uma presença imanente na atividade humana para um “outro mundo” transcendental face à sua própria realidade.» O mesmo é dizer que até serem transformados pelas transmissões coloniais das ideologias axiais, como destas são exemplo o cristianismo, os povos estavam rodeados por seres espirituais, deuses, antepassados e almas que viviam dentro das plantas e dos animais, e que, possuindo poderes meta-humanos, constituíam agentes decisivos de prosperidade e de adversidade nas mais variadas atividades humanas. Em síntese, o mundo inteiro, antes e em torno das civilizações axiais, era uma zona de imanência.

A partir da transformação do que a ciência social comum designa de passagem do «imanentismo» para o «transcendentalismo», ou revolução iniciada pela apropriação humana da cultura, gerou-se uma completa reordenação do universo imanentista, levando à criação das esferas diferenciadas e transcendentes da «religião», «política», «ciência» e «economia» – emergidas, como demonstra Marshall Sahlins neste A Ciência Nova do Universo Encantado, à medida que as pessoas negociavam com os deuses e se apropriavam dos seus poderes.

Abordando as configurações da imanência em culturas com diferenças radicais que, apesar de toda a sua experiência de sociedades axiais, continuam a ser hoje em dia essencialmente culturas de imanência, esta obra explora paralelamente a perspetiva das ciências sociais que reduzem as relações das culturas imanentistas ao estatuto de fantasias convenientes da realidade objetiva – o que desfigura tanto a disciplina como a cultura assim descrita – e apela a uma retificação dos termos etnográficos e à defesa das realidades do universo encantado partilhado pela maior parte da humanidade.

Um documento magnífico de um dos mais brilhantes nomes da antropologia que nos convida a repensar o modo como estudamos as culturas diferentes da nossa, disponível nas livrarias a partir de 21 de setembro.

Sobre o Autor

Marshall Sahlins (1930 – 2021) foi Charles F. Grey Distinguished Service Professor Emeritus de Antropologia na Universidade de Chicago e autor de numerosos livros, entre os quais Stone Age Economics e Culture and Practical Reason. Na edição deste livro, Marshall Sahlins contou com a colaboração de Frederick B. Henry, Jr., investigador independente e tradutor.