sexta-feira, 1 de abril de 2022

IndieLisboa 2022



Falta menos de um mês para a abertura desta edição do IndieLisboa. A altura ideal para desvendarmos a programação de duas das secções mais aguardadas do festival - Competição Internacional e Silvestre. São filmes de geografias e contextos diferentes, com temas e abordagens estéticas distintas, mas universais na forma como usam o cinema enquanto ferramenta eminentemente política, de confronto e inquietação.

Começamos pelas primeiras obras da Competição Internacional. Destacamos Pedro, de Natesh Hedge, um seguríssimo filme sobre a dificuldade em escapar à rigidez da tradição numa pequena aldeia indiana. Pedro é um electricista de meia-idade que vive com a sua mãe e a família do seu irmão nas remotas florestas do Ghats Ocidental. Certa noite de monção mata acidentalmente uma vaca que pertence ao seu senhorio. A aldeia, incapaz de aceitar um homem que cometeu tão acto vergonhoso, responde com frieza à presença de Pedro.

Em Freda, filme de estreia da realizadora haitiana Gessica Généus, a protagonista homónima vive com a sua família num bairro pobre de Port-au-Prince. Eles fazem a sua vida graças à sua pequena loja de rua. Confrontadas com condições de vida precárias e o aumento da violência no Haiti, cada um deles pergunta-se se deve ficar ou partir, mas Freda quer acreditar no futuro do seu país.

Kiro Russo, um repetente no festival - e vencedor do Grande Prémio de Longa Metragem do IndieLisboa 2017, com Viejo Calavera - regressa a Lisboa com El Gran Movimiento. A premissa evoca novo choque entre tradição e modernidade - na Bolívia de hoje, Elder e os seus companheiros mineiros chegam a La Paz para exigir o restabelecimento do seu emprego. De repente, Elder começa a sentir-se doente. Com a ajuda do velho Mamá Pancha, Elder e os seus amigos encontram trabalho no mercado. Mas o estado de Elder piora, está com dificuldades em respirar. Mamá Pancha envia-o a Max, um curandeiro, eremita e palhaço, que pode ser capaz de trazer o jovem de volta à vida. 

Nas curtas-metragens, em Escasso, Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles usam a estética do mockumentary para criticar as enormes discrepâncias na sociedade brasileira; Handbook, de Pavel Mozhar, recria, no seu próprio quarto, a partir de relatos, a repressão que os manifestantes bielorrussos sentiram em 2020, aquando da reeleição suspeita de Lukashenko. As diferenças geracionais entre uma mãe e o filho, a somar à herança da emigração, são os temas principais de Mistida, do luso-guineense Falcão Nhaga, enquanto Urban Solutions trata do passado e presente brasileiro, visto pela experiência de um porteiro de um prédio residencial que reavalia a relação com os seus empregadores. O filme, realizado por Arne Hector, Luciana Mazeto, Vinícius Lopes e Minze Tummescheit, cria uma oposição gritante entre os quintais idílicos e a presença opressiva das câmaras de vigilância.

Na secção competitiva Silvestre são selecionados filmes que arrisquem novas linguagens cinematográficas, num misto de autores consagrados e talentos emergentes. Destacamos três. Do Vietname, dirigido por Pedro Román e Mai Huyền Chi, The Girl from Dak Lak. Um filme minimalista e naturalista que acompanha a jovem Sương e a sua migração para Saigão. Conhece um pequeno restaurante onde lhe é oferecido um emprego, trabalhando e vivendo ao lado de duas outras mulheres migrantes. As três passam os seus dias juntas. Dentro das paredes áridas do restaurante, as suas manhãs são preenchidas com tarefas repetitivas, e o resto do dia com horas vazias e enfadonhas.

A escravatura moderna é o tema central de Convenience Store, primeira obra de Michael Borodin. Mukhabbat é uma mulher uzbeque que emigrou para Moscovo para trabalhar numa loja de conveniência. Na capital russa a jovem vive na escravatura e luta para recuperar a sua liberdade enquanto um sistema de descriminação socioeconómica a ignora e despreza.

O documentário Nous, Étudiants!, de Rafiki Fariala, segue um grupo de amigos, estudantes de economia, na Universidade de Bangui. Navegando entre auditórios sobrelotados, flirts levianos e as pequenas negociatas que permitem aos alunos sobreviver, Rafiki mostra-nos as vidas dos estudantes na República Centro-Africana.

Na mesma secção mas já fora de competição, novas longas de três nomes grandes do cinema europeu contemporâneo: Coma, híbrido live-action e animação de Bertrand Bonello, filmado em plena pandemia; Incroyable Mais Vrai, comédia de Quentin Dupieux, que regressa ao festival onze anos depois da sua passagem com o humor bizarro de Rubber; Jean-Gabriel Périot, outro nome recorrente no festival, documenta a história do proletariado francês desde os anos 50 até à actualidade em Retour à Reims (Fragments).

Entre ficção e documentário, animação e cinema experimental, a programação das curtas-metragens actualiza o percurso de alguns nomes fundamentais do cinema contemporâneo e da história do festival - a comédia de costumes moderna By Flávio, de Pedro Cabeleira, At Least I've Been Outside, de Jan Soldat (Foco Silvestre da edição de 2015 do IndieLisboa), El Sembrador de Estrellas, de Lois Patiño (presença recorrente no IndieLisboa desde 2014), How Do You Measure A Year?, de Jay Rosenblatt (herói independente na edição de 2006) e Bird in the Peninsula, de  Atsushi Wada, vencedor de uma menção honrosa em 2012, pela animação alegórica The Great Rabbit.

O foco Light Cone mergulha no vasto catálogo desta mítica instituição do cinema experimental, com quatro programas temáticos. Netsploitation, Conforto, Intimidades, Erotismo e Sugestão. Aqui interrogam-se os modos narrativos e estéticos da internet ao longo das duas primeiras décadas do século XXI, a indução de sentimentos sexuais a partir de uma obra de arte, mediante sugestão, simbolismo ou alusão, numa espécie de viagem de imagens que formam corpos onde espreitam, latejam, sensações. 

A 19ª edição do IndieLisboa terá lugar entre o Cinema São Jorge, a Cinemetaca Portuguesa, a Culturgest, o Cinema Ideal e a Biblioteca Palácio Galveias do dia 28 de Abril ao dia 8 de Maio.