domingo, 27 de outubro de 2019

Histórias com História - Paulo Nogueira


A Guerra das Guerras

Primeira Grande Guerra Mundial e a participação de Portugal no conflito

A Primeira Guerra Mundial, ou também conhecida como a Grande Guerra ou a Guerra das Guerras, foi uma guerra global centrada na Europa. Entre as diversas e complexas causas deste conflito, incluem-se um complexo sistemas de alianças e as políticas imperialistas estrangeiras das grandes potências da Europa, como eram o Império Alemão, Império Austro – Húngaro, Império Russo, Império Otomano, Império Britânico, a Terceira República Francesa e a Itália. Assim, em 28 de Junho de 1914, o assassinato do arquiduque Francisco Fernando da Áustria, herdeiro do trono da Áustria – Hungria e de sua esposa Sofia, duquesa de Hohenburg, pelo nacionalista jugoslavo, o estudante Gravilo Princip, em Sarajevo, na Bósnia, foi o gatilho imediato da guerra, que resultou em um ultimato Habsburgo contra o reino da Sérvia. Isto após um mês de manobras diplomáticas entre a Áustria – Hungria, Alemanha, Rússia, França e Reino Unido, que ficou conhecido como a crise de Julho.


A 28 de Julho do mesmo ano, o conflito iniciou-se com a invasão austro – húngara da Sérvia, com o bombardeamento de Belgrado, capital da Sérvia, seguida pela invasão alemã da Bélgica, Luxemburgo e França, e um ataque russo contra a Alemanha. O Império Alemão  liderado pelo kaiser Guilherme II, mobilizou-se em 30 de Julho de 1914, pronto para aplicar o denominado "Plano Schlieffen", que planejava uma evasão rápida e massiva da França para eliminar o exército francês e em seguida, virar a leste contra a Rússia. A França só se mobilizou na noite de 2 de Agosto, quando a Alemanha invadiu a Bélgica e atacou tropas francesas. O Reino Unido declarou guerra à Alemanha em 4 de Agosto de 1914, após uma resposta considerada insatisfatória para o ultimato britânico de que a Bélgica deveria ser mantida neutra. A par de tudo isto, algumas das primeiras hostilidades de guerra ocorrem no continente africano e no Oceano Pacifico, nas colónias e territórios das nações europeias envolvidas. Este conflito envolveu as grandes potências de todo o mundo, que se organizaram em duas alianças opostas, os Aliados, com base na Tríplice Entente, entre Reino Unido, França e o Império Russo; os Impérios Centrais, originalmente designado de Tríplice Aliança, entre o Império Alemão, Áustria – Hungria, Bulgária, Império Otomano e Itália, sendo que a Itália não entrou em guerra e mais tarde estas alianças ao se reorganizarem a Itália lutou pelos Aliados. Depois da marcha alemã em Paris ter levado a um impasse, a chamada Frente Ocidental estabeleceu-se numa batalha de atrito estático com uma linha de trincheiras que pouco mudou até 1917. Na chamada Frente Oriental, o exército russo lutou com sucesso contra as forças austro – húngaras, mas foi forçado a recuar da Prússia Oriental e da Polónia pelo exército alemão. Outras frentes de batalha adicionais abriram-se depois do Império Otomano entrar na guerra ainda em 1914, Itália e Bulgária em 1915 e a Roménia em 1916. De destacar o Império russo, que entrou em colapso em Março de 1917 e a Rússia deixou a guerra após a Revolução de Outubro do mesmo ano.
  
          
Os avanços tecnológicos militares, foram na prática um poder de fogo defensivo mais poderosos que as capacidades ofensivas, tornando esta guerra extremamente mortífera. Para além do desenvolvimento das armas ligeiras com metralhadoras cada vez mais rápidas e potentes, novos navios de combate, submarinos, assim como o uso da aviação e zepplins pela primeira vez para fins militares, o desenvolvimento da artilharia, como o famoso e designado "Canhão Paris", também conhecido como "Canhão Kaiser", os primeiros carros blindados de combate, lança chamas e o uso do arama farpado. Os alemães começaram a usar gás de cloro em 1915, sendo o início da utilização das armas químicas, e logo depois ambos os lados usavam a mesma estratégia, iniciando a utilização do designado gás mostarda. Estratégia esta que tornou a vida nas trincheiras ainda mais miserável, sendo um dos mais temidos e lembrados horrores desta guerra. Como curiosidade, no início desta guerra, chegando a época natalícia, há relatos de os soldados de ambos os lados cessarem as hostilidades, sem consentimento do comando, saindo mesmo das trincheiras e cumprimentarem-se em tréguas de Natal.


É a partir de Janeiro de 1917, que Portugal envia as suas primeiras tropas do Corpo Expedicionário Português (CEP), para a guerra na Europa, em direção à Flandres, sendo em França que Portugal se reúne aos aliados ingleses e se envolve em combates nesta guerra. Tendo como homens – chave do (CEP) até Abril de 1918, os Generais Manuel Gomes da Costa, Fernando Tamagnini de Abreu e Silva e Simas Machado. Em Março de 1916, apesar das tentativas da Inglaterra para que Portugal não se envolvesse no conflito, este antigo aliado, decidiu pedir ao estado português que apreende-se todos os navios germânicos na costa lusitana. Tal atitude justificou a declaração oficial de guerra por parte da Alemanha a Portugal em 9 de Março de 1916, apesar de já haver combates em África desde 1914.
                                        
Neste enorme esforço de guerra, chegaram a estar mobilizados quase 200 mil homens, as perdas atingiram quase 10 mil mortos e milhares de feridos, para além de custos económicos e sociais gravemente superiores à capacidade nacional. Recrutados nas diferentes terras portuguesas de norte a sul do país, concentram-se em Tancos durante o ano de 1916 e em 1917, onde recebem instrução, embarcados em Sta Apolónia, Santos e Alcântara com destino ao porto de Brest, seguindo dai em comboios até à Flandres, onde recebem formação novamente por parte dos ingleses assim como parte do armamento. O Corpo Expedicionário Português (CEP), a 2 de Abril de 1917, a coberto da bruma da madrugada, entram nas trincheiras num total de 55 000 homens. Ai encontram um novo tipo de guerra, enfrentam o frio, a neve, a lama pegajosa, ratos, parasitas, o barulho ensurdecedor dos bombardeamentos e a surpresa dos gases asfixiantes. Habituam-se ao chamado corned beef, termo dado à ração de combate fornecida pelos ingleses, que os faz suspirar pelo bacalhau e pão escuro nacional. Adoecem, vêm corpos mutilados e enterram camaradas. Curiosamente neste clima de terror, os soldados portugueses criam o seu próprio calão de guerra, muitos destes termos tendo ficado como "Ir aos arames",  "Arraite",  "Avenida Afonso Costa", "Balázio", "Bife", "Boche", "Cachapin", "Cavanço", "Lãzudo", "Recoca", "Toupeiras", "Trincha", "Luísa", "Básicos" entre muitos mais que ficaram. Nos momentos de descanso aproveitam para esquecer a guerra, jogando às cartas ou ao dominó, cantando fado, fazendo artefactos como futuras recordações de guerra, escrevendo cartas aos familiares ou namorando as francesas, mesmo sem saber uma palavra do seu idioma. Sentem medo, desolação e cansaço. Os combatentes constroem uma relação muito especial com o sagrado para garantir a estabilidade psicológica e o apoio capaz de assegurar a sobrevivência nos campos de batalha, para além de acenderem velas nas capelas destruídas que encontram, adoram as imagens e os crucifixos que vão encontrando perto dos campos de batalha na Flandres, trazem ainda alguns com eles amuletos e figuras sagradas cristãs, mais tarde punidas por alguns oficiais. Na frente de batalha, combatem com coragem e heroísmo, outros desertam (como o soldado João Ferreira de Almeida que é fuzilado em 1917, represtinando a lei para crimes de guerra em 16-09-1916), outros revoltam-se ou são feitos prisioneiros pelos alemães. Quase conhecem a sua destruição, no dia 4 de Abril de 1918 e as tropas amotinaram-se em pleno campo de batalha. O Corpo Expedicionário Português (CEP) vivia dias de horror e inferno, do dia 9 para 10 de Abril daquele ano, na Batalha de La Lys, quando a 2ª Divisão do CEP constituída por cerca de 20 000 homens, dos quais somente 15 000 estavam nas primeiras linhas, comandados pelo general Gomes da Costa, retirava dos campos de batalha para ser substituído, sofre um dos maiores bombardeamentos do exército alemão seguido de um ataque em massa alemão com grande resistência por parte dos portugueses, o CEP acaba por desaparecer.


Em quatro horas de batalha, as tropas portuguesas perderam cerca de 7500 homens, entre mortos, feridos, desaparecidos e prisioneiros, ou seja, mais de um terço dos efetivos, entre os quais 327 oficiais. Era o princípio do fim da guerra para os portugueses. Assim o CEP retirou-se para a retaguarda dos Aliados, alguns efetivos foram integrados no exército inglês, outros utilizados para mão – de - obra na abertura de trincheiras, o que foi desmoralizando cada vez mais os soldados portugueses. Apesar de tudo isto, ainda se formaram algumas divisões que participaram na marcha da vitória em Paris em 1919, trazendo assim alguma glória e honra para Portugal. Entre alguns heróis portugueses esquecidos desta guerra, salienta-se o Soldado Milhões de seu nome Aníbal Augusto Milhais, que se destacou por atos heroicos na Batalha de La Lys, em que sozinho na trincheira, munido apenas da sua metralhadora Lewis, ou "Luísa" como era designada em calão das trincheiras, enfrentou as colunas de alemães que se atravessaram no seu caminho o que possibilitou a retirada de outros camaradas portugueses e ingleses para posições defensivas na retaguarda. Depois perdido vagueando por trincheiras e campos, ora de ninguém ora ocupados pelo inimigo, foi-se defendendo, até que quatro dias depois encontra um médico militar escocês, salvando-o de morrer afogado num pântano. Valeu-lhe as palavras do comandante Ferreira do Amaral que o saudou com as palavras que ficaram para a história "Tu és Milhais, mas vales Milhões". Foi premiado com várias condecorações estrangeiras e a mais alta condecoração honorária nacional, a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor , Lealdade e Mérito. Outros heróis portugueses se salientaram nesta guerra como o primeiro - tenente José de Carvalho Araújo, conhecido como o Mártir do Mar e o primeiro piloto de guerra português Óscar Monteiro Torres, conhecido como O Cavaleiro Voador.
                                            
Das diversas frentes que na retaguarda apoiam o esforço de guerra, destaca-se a feminina, desde as enfermeiras da Cruz Vermelha, mais de 50, que se instalam na Flandres até as mulheres que em Portugal organizam campanhas a favor das vítimas, passando pelas que dão apoio logístico nas diversas áreas. Portugal participou no primeiro conflito mundial ao lado dos Aliados, o que estava de acordo com as orientações da república ainda recentemente instaurada, a crença que era imperativo entrar nesta guerra pelo progresso nacional, ao lado das democracias, o compromisso com a aliança com Inglaterra, tradicional aliada de Portugal, e evitar a evasão e influência alemã nas populações indígenas no sul de Angola e norte de Moçambique, evitando insurreições locais contra o domínio português, no entanto os objetivos que levaram os responsáveis políticos portugueses a entrar na guerra, saíram gorados quase na sua totalidade. A alimentação na frente de batalha era sobretudo à base de carne, vegetais, enlatados e biscoitos, sendo os alimentos frescos uma raridade. Doenças floresceram nas condições caóticas da guerra, apenas em 1914 piolhos infetados pelo tifo epidémico, mataram 200 mil pessoas só na Sérvia e mais tarde haviam de causar mais vítimas em outros países como Portugal. Além disso a grande epidemia da gripe em 1918, que se espalhou por todo o mundo, a pandemia de gripe espanhola como ficou conhecida, que matou pelo menos 50 milhões de pessoas. Depois de uma ofensiva alemã em 1918 ao longo da Frente Ocidental, os Aliados forçaram o recuo dos exércitos alemães numa série de ofensivas de sucesso e as forças dos Estados Unidos começam a entrar nas trincheiras. Este conflito acabou por envolver as grandes potências de todo o mundo.
    
                     
A Alemanha ficará completamente exaurida, insistindo até Setembro de 1918 numa "paz vitoriosa". A exaustão e derrota militar é acompanhada da derrota política, assim como problemas com os seus revolucionários. A 29 de Setembro, os comandantes Hindenburg e Ludendorff apresentaram uma proposta de armistício. Sem resistência alguma, imperador e príncipes abandonam os seus tronos em Novembro de 1918 e exiliam-se, ninguém levantou a voz em defesa da monarquia, que caíra em descrédito e a Alemanha torna-se numa república. A então designada República de Weimar, que neste ponto, concordou com um cessar – fogo e será a 11 de Novembro de 1918, às 2h 05 da madrugada, num episódio mais tarde conhecido como Dia do Armistício, que é assinado numa carruagem restaurante da CIWL na floresta de Compiègne no norte de França. Os principais signatários foram o Marechal Ferdinand Foch, comandante chefe das forças da Tríplice Entente, o almirante inglês Sir Rosslyn Wemyss e Matthias Erzberger, representante alemão. Termina assim esta guerra com a vitória dos Aliados. Seguindo-se depois ao Armistício o Tratado de Paz de Versalhes, celebrado em 1919, os termos do acordo foram severos para Alemanha, segundo o qual, a Alemanha, derrotada, era obrigada a reduzir as suas tropas pela metade, pagar pesadas indemnizações aos países vencedores, ceder todas as colónias e restituir a região da Alsácia – Lorena à França.


Neste conflito que durou, de 28 de Julho de 1914 a 11 de Novembro de 1918, destacam-se entre muitas, algumas das batalhas mais marcantes, assim logo em 1914 a Batalha de Liège, Batalha das Fronteiras, Batalha de Mulhouse, Batalha Stallupönen, Batalha das Ardenas, Batalha Krasnik, Batalha de Saint – Quentin, Batalha do Marne, Batalha Ypres , Batalha Givenchy, Primeira Batalha de Champagne.

Em 1915 a Batalha de Dogger Bank, Batalha de Neuve Chapelle, Segunda Batalha de Ypres, Batalha de Galípoli, Batalha de Festubert, Batalha de Varsóvia, Batalha de Loos, Segunda Batalha de Champagne, Batalha de Kosovo.

Em 1916 a Batalha de Verdun, Batalha de Hulluch, Batalha da Jutlândia, Batalha do Somme, Batalha Guillemont.

Em 1917 a Batalha de Arras, Batalha de Nivelle, Batalha de Messines, Batalha de Cambrai.

Em 1918 a Batalha da Primavera, Batalha de Moreuil Wood, Batalha de La Lys, Batalha de Cantigny, Segunda Batalha do Marne, Batalha de Amiens, Batalha de Sharqat.

Nesse rescaldo nove milhões de soldados morreram, quatro grandes impérios foram destruídos e o panorama geopolítico da Europa e Médio Oriente alterar-se-á para sempre.
 
                 
Após o final da guerra, alguns soldados portugueses desmobilizados, temem pelo regresso à Pátria assim como a incerteza do futuro que os espera, fazendo com que muitos construíssem laços afetivos com França e lá ficassem temporária ou definitivamente, optando por casamentos com francesas e constituindo família. Mas no entanto em Março de 1919, regressam a Portugal os últimos expedicionários portugueses, com saudades da família e da terra natal. Para trás ficava uma guerra devastadora sem sentido que, entre mortos, feridos e prisioneiros, marcou a vida de 14062 portugueses, recebendo uns condecorações com a Cruz de Guerra e sendo outros completamente esquecidos, ergueram-se monumentos aos combatentes quer em Portugal, quer nos demais países envolvidos no conflito, homenagearam-se ainda os mortos desta guerra em cemitérios, assim como aos soldados desconhecidos dos seus países. Foi como todas as guerras, um conflito de violência e brutalidade do homem para com o e seu semelhante, que para além das vítimas e estropiados que fez (mutilados e gaseados), traumas psicológicos devido as neuroses de guerra, deixando um rasto de destruição e consequências para as gerações vindouras. Prova, 100 anos passados do seu início, que as guerras, que em alguns casos ainda se mantêm e fazem em muitas nações, não são definitivamente a solução para a harmonia do mundo nem dos homens. Sendo portanto que nenhuma guerra faz sentido...



Presto aqui homenagem a todos os combatentes desta guerra, que nela lutaram com bravura e heroísmo, aos que nela pereceram, assim como aqueles que regressaram, em especial ao meu avô materno, que não conheci, José Claro André, conhecido como "Zé Guardado", natural de Penha Garcia na Beira Baixa, que fez parte do Corpo Expedicionário Português (CEP) entre 1917 e 1919.


José Claro André, "Zé Guardado", (meu avô) regressou à sua terra natal (Penha Garcia) que muito honrou, em Março de 1919 (arq. pess.)

Publicação feita ao abrigo do acordo de partilha de conteúdos entre o blogue "Histórias com História" e o site "Cultura e Não Só".

Texto:
Paulo Nogueira