sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Vale a pena não ter medo


O estilo directo e acutilante mantém-se, mas o autor apresenta-se aqui mais solto, enveredando pela quase ficção. Personagens imaginárias que lembram pessoas reais. Um misto de imaginação e lembrança que, por certo, despertará no leitor as suas próprias memórias. Sucedem-se um indiano ardiloso, a política portuguesa nos anos 60, a devoção mariana, uma castiça tertúlia andaluza, o dia dos mortos da cultura mexicana e reflexões sobre passado, presente e futuro do nosso País. Ambientes e factos descritos com destreza, e sentido de humor, numa escrita que entusiasma.

“Estava seguro de que Parker aceitaria esta análise. Contudo, seria preferível que na visita se não fizesse acompanhar pela agnóstica cristã. Essa ruiva de sangue irlandês e catalão, contrariamente a uma mulher indiana, falava alto, traçava a perna com excessiva desenvoltura, opinava por tudo e por nada. Uma vez mais o irritaria retorquindo, previsivelmente, que a artificial solução política terminaria negativa para os seus mentores, quando o povo se apercebesse, pelos resultados, de que fora iludido. Ocorreria então o efeito pendular dos persuadidos.

A rapariga era politóloga, com mestrado em Psicologia Social e doutoramento em preparação no campo da Sociologia. Não podia ser pior. Mas, se tivesse de a ouvir, Mr. M. limitar se ia a encolher os ombros. A acontecer esse cenário, os promotores saberiam sair a tempo. Citava com frequência um antigo ditado hindu, eventualmente adaptado ao seu estilo e conveniência: No permanente combate acérrimo da selva misteriosa, os tigres ganham asas.”