segunda-feira, 4 de abril de 2016

Se eu fosse Ladrão... Roubava e Rio do Ouro


Quinze anos depois da sua estreia nos cinemas e por ocasião da edição em DVD, em conjunto com o filme Se eu fosse Ladrão... Roubava, a Midas Filmes, em associação com a Cinemateca Portuguesa, repõe nos cinemas e em versão digital restaurada O Rio do Ouro, de Paulo Rocha, de 14 a 20 de Abril, no Cinema Ideal, em Lisboa.

A Midas Filmes tinha já em Maio do ano passado, quando se cumpriam os 50 anos da sua obra, editado em DVD e resposto em sala, também com em associação e co-edição da Cinemateca Portuguesa, os dois primeiros filmes (Os Verdes Anos e Mudar de Vida) de Paulo Rocha, figura decisiva do Cinema Novo português, que nos anos 60 irrompeu bruscamente de décadas de um cinema português sem qualquer relevância ou interesse. 

O Rio do Ouro
Nas margens ensaguentadas do Rio do Ouro, uma balada de ciúme, um grande e horrível crime ambientado num meio popular. Um velho casal casa-se. Ela é guarda-cancela, ele é o patrão do barco-draga. Mélita, a sobrinha, cai ao rio, grita por socorro, António salva-a. Carolina morre de ciúmes. Num comboio, um cigano um nadinha vidente, o Zé dos Ouros, quer vender um colar a Mélita. Ai dele, vê o passado da inocente rapariga: numa vida anterior ela teria matado o amante e pintado com sangue dele o quarto do seu amor. Aterrado, Zé foge. Carolina vai atrás dele, rouba-lhe o colar e acaba por se tornar sua amante. Quer que o cigano lhe desvende o segredo, lhe explique o que viu. Enquanto o velho António se sente cada vez mais atraído pela sobrinha, Carolina sonha, vê tudo vermelho de sangue. O Zé já não tem medo de Mélita, quer deixar a amante. A guarda-cancela sente-se traída por todos, vê uma grande faca diante de si... 

"Este filme não poderia ter sido feito por um cineasta de outra cultura num outro lugar. E isto estremece-me até às lágrimas poque acorda em mim um arreigado sentimento de pertença." Jorge Leitão Ramos, Expresso 

“Tem uma textura rara, quase palpável, nascida de um entendimento do mundo - as cores, os corpos, a luz, o movimento, os sons - como matéria plástica que "está lá", pronta a ser trabalhada, manipulada e moldada, enquanto manifestação de uma certa "luxúria" do cinema.” Luís Miguel Oliveira, Público 

“Como antepassados reconhecidos, perpassam por "O Rio do Ouro" as sombras de Agustina e de Oliveira, mas também a do Camilo das paixões funestas e, quantas vezes, sanguinárias: a novela radiofónica (o som pela imagem) adaptada de "Francisca" cumpre o dever da tripla dedicatória. No entanto, a narrativa aspira a outros voos, entre a serenidade (sempre falsa e turbada) filtrada de "Une Partie de Campagne", de mestre Jean Renoir, com quem Paulo Rocha estagiou em "O Cabo de Guerra", e a convulsa solução final com o surrealizante planar de Carolina por sobre o rio.” Mário Jorge Torres, Público 

Se eu Fosse Ladrão... Roubava
Partindo da memória familiar e da matéria dos seus filmes, Paulo Rocha revisita as suas origens e as referências maiores da sua vida e obra, numa construção fluida e complexa, que é conscientemente testamental embora só indirectamente autobiográfica (ele filma-se através do pai e dos personagens da sua obra). O motor inicial do filme é a evocação da infância e juventude do pai do autor, em particular o sonho obsessivo deste, na altura partilhado por muitos, de emigrar para o Brasil, para onde partiu efectivamente em 1909 (embora a cronologia verdadeira, tal como os factos e os nomes, sejam alterados, ou por vezes deslocados, em função das rimas com os outros filmes). Mas este tema familiar cruza-se desde o início com o grande mundo da obra de Rocha, num puzzle de raccords temáticos que se dirige para dentro e para trás (a busca do centro, ou da origem…) tanto quanto para fora (a constante ampliação de sentido, a identidade de um país). Paulo Rocha fala portanto da sua própria necessidade de partir, e da interrogação de Portugal através da distância – o tempo formativo em Paris, depois a longa estada no Japão -, assim como fala da morte, mas também da doença e de um medo tornados endémicos, corrosivos de um país. Em paralelo, vão surgindo, nos excertos dos seus filmes, grandes referências da sua obra: homens como o escritor radicado no Japão Wenceslau de Moraes (1854-1929), o poeta Camilo Pessanha (1867-1926) ou o pintor Amadeo de Souza Cardoso (1887-1918) – todos representantes de um fulgor criativo dos inícios do século tanto quanto justamente, de uma relação problemática com o país de origem. Por outro lado Se eu fosse ladrão… é ainda um repositório de um outro diálogo estruturante da obra de Paulo Rocha – neste caso, particularmente associado a Amadeo – em que a inspiração na cultura universal se funde com um trabalho genuíno, dir-se-ia antropológico, sobre a cultura popular portuguesa, em especial centrada na região norte do país (os pescadores do Furadouro, o vale do Douro…). Cinemateca Portuguesa 

Sobre Paulo Rocha 
«Figura crucial no lançamento do Cinema Novo português, de que os seus primeiros filmes, “Os Verdes Anos” e “Mudar de Vida”, são títulos fundamentais, Paulo Rocha foi durante os últimos 50 anos, um autor central da moderna cinematografia portuguesa. A sua obra compõe um olhar de conjunto sobre a “portugalidade”, a partir de uma série de encontros e de choques: entre o país urbano e o país rural, ou entre a modernidade cultural e as tradições populares, por vezes em diálogo com formas e expressões culturais exógenas, como sucede nos seus filmes (“A Ilha dos Amores”, por exemplo) que reflectem a presença portuguesa no Extremo Oriente, também a partir de uma vivência pessoal (Paulo Rocha viveu muitos anos no Japão, trabalhando como Adido Cultural). Foi assistente de Jean Renoir em “Le Caporal Epinglé”, e um dos colaboradores de Manoel de Oliveira em “Acto da Primavera”. Nasceu no Porto, em 1935, e morreu em Vila Nova de Gaia, no final do ano de 2012.» Cinemateca Portuguesa.