quinta-feira, 23 de março de 2023

Entrevista a Adriana Scartaris sobre a exposição "IMPERFEITA 1.3"




IMPERFEITA 1.3 presta tributo à Arte de ser Mulher convidando a Rainha da Pop, Madonna, para o centro do palco. “A idade não nos define” é o mote deste ano da exposição, e o Cultura e Não Só (CNS) aproveitou a oportunidade para falar com a curadora Adriana Scartaris, e sócia do Coletivo 284.

CNS - O que é o colectivo 284 e como surgiu? 
Eu e o Paulo André conhecemo-nos em 2017 numa feira em Milão e decidimos criar um espaço para a arte, para a cultura e para a sinergia das conexões em Lisboa, com o objectivo de fazer essas ligações entre a arte e o público, entre Portugal e o Brasil, entre outros campos. 
Procuramos a cada novo projecto agregar algo inovador mantendo sempre os pilares da inovação pensando no futuro, da sustentabilidade no planeta pensando o conceito e não apenas de materiais. 

CNS - Qual é o principal desafio do colectivo neste momento? 
As maiores dificuldades que temos é mais no sentido de nos impulsionar do que nos amedrontar, a nossa dificuldade se é que é uma dificuldade é nós tentarmos sempre fazer melhor do que ontem, buscamos expandir o nosso potencial transformador no mercado. 
Está no nosso ADN fomentar o mercado, fazer a diferença naturalizar presenças de pessoas e ideias, e formas de expressão artísticas que talvez não estivessem numa galeria de arte. 

CNS - O que é a IMPERFEITA e como surgiu? 
A IMPERFEITA surgiu num momento muito especial para todo o mundo, no ano de 2020 quando tínhamos apenas seis meses de vida. 
Deparei-me com muitos artistas tristes e paralisados sem condições para criar, e neste cenário parei para pensar o que poderia fazer, e nessa altura vi-me de pijama em frente a um computador porque não podia fazer outra coisa. 
Comecei então a ir buscar o que seriam referências, na minha opinião, de mudança no mundo, e para mim essas referências estão na energia feminina, mas atenção não é necessariamente nas mulheres, uma energia feminina que se encontra também em muitos homens. 
Pensei no que poderia criar com o objectivo de ajudar outros artistas a terem um projecto artístico relevante naquele momento. 
Neste cenário tinha o meu sócio aqui em Portugal e eu estava no Brasil, percebi pelo perfil dele que ele procurava agir enquanto eu procurava pensar, tivemos um pequeno afastamento para processar tudo o que se estava a passar. Nessa junção de pensamentos não foi difícil chegar à Frida Kahlo, por ser um exemplo de mulher feminina com todas as contradições que uma mulher tem, com questões polémicas e críticas. Apesar de ser um mito construído ela superou muitas questões físicas e de aparência, quebrou paradigmas e protocolos. Esta mulher serviu de inspiração para que através da arte procurássemos fortalecer as mulheres, com o objectivo de inspirar o mundo.

CNS - Como projecto artístico é interessante, mas como funciona ao nível de negócio? 
A ideia começou com um concurso que movimentou muitos artistas empenhados em retratar a nossa “IMPERFEITA”, esta palavra está entre aspas porque ela quer dizer que imperfeição torna a mulher única, é essa imperfeição que nos torna genuínos. 
A primeira edição devia ter sido feita em Março, mas não conseguimos por estarmos em lock down, mas conseguimos fazer em Maio apesar das dificuldades que se viviam na altura. 
Três semanas antes da abertura exposição uma das artistas pediu se poderia colocar realidade aumentada na sua obra, no início era algo que não fazia sentido ter apenas numa obra, no entanto, conseguimos implementar a realidade aumentada a todas as obras. Com este facto a exposição tornou-se num entretenimento e conseguimos ter seis mil pessoas em 35 dias. A IMPERFEITA acabou por ser um projecto com o qual tínhamos de continuar. 

CNS - E foi neste momento que surgiu o vosso manifesto? 
Sim, o manifesto pretende fortalecer as mulheres é por isso que a IMPERFEITA começa no dia 8 de Março. 
No primeiro ano criámos a frase do Manifesto “a tua imperfeição torna-te única”, no segundo ano reafirmámos esta mesma frase, agora neste terceiro ano temos “a tua idade não te define” e para o próximo ano será “a tua voz liberta-te” em que as homenageadas serão Amália Rodrigues e Cármen Miranda. 
A IMPERFEITA é muito isto, é o que te torna especial, é não seguir um padrão preestabelecido imposto por um mercado pautado por consumo, e é o que te vai libertar. Todos os anos vamos acrescentando frases a este manifesto que não tem previsão para terminar. 

CNS - “A idade não te define” é o mote deste ano, acha que isto se sente mais em relação às mulheres do que aos homens? 
Deixa-me começar por este exemplo: se tu tens duas pessoas em frente a um muro, uma muito alta e uma muito baixa, o caixote para subir para ver por cima do muro tem de ser diferente. 
A pessoa mais baixa tem de ter um caixote mais alto, e a pessoa mais alta um caixote mais curto para ficarem ambas à mesma altura. 
À conta da formação da nossa sociedade os homens têm uma voz de comando, até mesmo em termos históricos, então temos uma lacuna que não é uma guerra, mas para que todos possamos ver para lá do muro, o caixote das mulheres tem de ser um pouco mais alto. 
Na nossa exposição temos homens, mulheres e também estamos a fazer um trabalho para naturalizar artistas e pessoas com deficiência cognitiva na exposição, mas na IMPERFEITA não existe o objectivo de levantar uma polémica ou de ser contra algo, temos apenas a vontade de expressar através da leitura de vários artistas o tema do ano. 
Enquanto artista eu olho para essa diferenciação e, não me faz sentido porque estamos todos no mesmo planeta que é uma bolinha pequena, porque é que temos de dividir tanto?

CNS - Qual a razão para o número 1.3? 
Fiz exposições em Portugal e no Brasil, e serve de diferenciação, pois no Brasil a IMPERFEITA começa por 2.1, e quem sabe noutro país continuará nessa lógica. 

CNS - A Frida é a madrinha das imperfeitas e este ano temos a Madonna como afilhada? 
Sem dúvida nenhuma, mas vamo-nos apropriar de mulheres mais próximas do nosso século.
A Frida é uma madrinha imperfeita maravilhosa, porque toda a imperfeição estava nela.
Eu não concordo nem faria metade das coisas que ela fez, mas isso não significa que eu não a admiro e que não respeite, e este é um exercício interessante para se entender a relevância e a mágica de uma personalidade tão complexa, mesmo discordando de algumas posturas dessa personalidade. 
No momento em que desmitificando o mito e olhamos para a mulher que foi vítima de um relacionamento abusivo, num momento em que as mulheres nem sequer tinham consciência do que era um relacionamento abusivo, ela conseguiu ter a potência que ela teve para dar um novo significado quanto à deficiência física as próprias questões de saúde e um amor louco que hoje sabemos o que é, mas na altura não sabíamos, que teve tanto impacto na história a ponto de ser a primeira mulher latino americana a ter a primeira obra comprada pelo Louvre. 
É importante lembrar que o Louvre na época era um espaço onde só existiam obras de homens, isto é muito relevante para a história. 
Ela tem todo o mérito em se ter tornado uma madrinha e um mito feminista, ela é uma inspiração. 

CNS - Qual a razão para escolherem a Madonna este ano? 
Eu acho que a Madonna tem uma Frida dentro dela. 
Como o tema deste ano é “a tua idade não te define” comecei a procurar uma mulher e um ícone contemporâneo, um ícone pop, que toda a gente conhece e que tenha como referência goste ou não, cuja idade não definisse.
Assim apareceu Madonna, pela idade dela foi uma mulher que rompeu barreiras desde muito jovem, foi polémica, ela chocou.
Em contraponto ela é uma supermãe, religiosa, iniciada em várias questões espirituais, uma mulher muito forte de 64 anos. 

CNS - Então a idade define esta mulher? 
Segundo os protocolos sociais, uma mulher de 64 anos é uma avozinha que está em casa talvez a cuidar dos netos e a fazer alguma atividade social.

CNS - E onde está a Madonna nesse protocolo? 
Não existe. A Madonna com a sua rebeldia, ela tem o lado mãe, religiosa, mulher, que come bem, que tem uma saúde de ferro porque se cuida, ou seja ela é a imperfeição maravilhosa, e, porque a idade não a define. 
O nosso recado este ano é que a idade não te define, não determina a maneira como te comportas, como te vestes, o que dizes, qual o teu trabalho e qual o teu potencial. Isto serve para qualquer idade porque a idade não define ninguém. 

CNS - Quando o público chega a esta IMPERFEITA 1.3 o que é que pode esperar? 
O público pode esperar uma nova leitura, destas duas mulheres imperfeitas, por técnicas diferentes de diversos artistas que estão em momentos diferentes na carreira. 
Isto inclui artistas com deficiência cognitiva que dão uma interpretação completamente pura e livre de qualquer protocolo e regra. 
O público pode esperar uma leitura com tecnologia, temos realidade aumentada, imersão, meta verso, tudo de uma maneira leve para fazer pensar de todos os pontos de vista estas duas mulheres tão poderosas em imagens bem resolvidas como escultura, pintura, inteligência artificial etc.
A ideia é tornar natural a presença de pessoas que normalmente não visitariam uma galeria ou um museu, queremos trazer as famílias, os estudantes, e outros públicos. As pessoas acabam por ficar mais tempo do que numa galeria tradicional, quem nos visita não fica menos de uma hora. Tentamos proporcionar uma experiência, as pessoas sentam-se, conversam entre si, olham várias vezes para as obras, fotografam, levam registos das obras, e acabam por levar um pouco das imperfeitas para casa.

CNS - O que é o projecto avatar e a Scorpia?
Estes são projectos meus de quando comecei a pesquisar sobre inteligência artificial e toda a resistência que o mundo artístico tinha em cima da I.A., e apercebi-me que quando apareceu a câmera fotográfica a resistência foi brutal e hoje os fotógrafos são considerados artistas e com toda a relevância que merecem. Isto está a passar-se também com a inteligência artificial, o mercado reagiu drasticamente, muitos artistas mostraram resistência, eu considero que é apenas mais uma ferramenta que deve ser usada, ser experimentada e ser pesquisada para ver o seu alcance. 
Correndo um  certo risco decidi que deveriam ser trinta avatares, isto porque em numerologia  o três é o número do pai, do filho e do espírito santo, é um número ligado à arte, sendo que quinze destes avatares são dedicados a Frida Kahlo e quinze dedicados a Madonna. Depois foram várias as camadas propostas onde fui buscar santas, guerreiras, fadas, rainhas, para compor a aparência destes avatares… 

CNS - E porquê os avatares? 
Porque na religião hindu os avatares são um deuses que assumem a forma de um animal, pessoa ou mista e vêm ao mundo de uma maneira imortal e manifestam-se aos humanos com o objectivo de os ajudar a evoluir. 
Quis ainda que cada um destes trinta avatares tivesse uma característica necessária para mudar o mundo e na minha opinião estão todas lá, cada um tem o seu poder e o seu propósito na tela. 
Para os nomes quis que fossem em latim, para isso fui pesquisar palavras em latim que fossem os nomes só que algumas dessas palavras não existiam, então usei a I.A. novamente para criar palavras em latim para os que faltavam. No meio de toda essa pesquisa houve uma que se destacou, Scorpia, porque de alguma forma tem uma característica que me toca mais, ela veio ao mundo para ensinar o Homem a não trair. Este avatar é inspirado na aparência de Madonna, mas a cantora nunca teve esse rosto, a Scorpia é um misto de traços da Madonna em tempos diferentes. 
A Scorpia é uma figura humana muito sensual misturada com uma aparência casta e, ao mesmo tempo, ameaçadora, mas sem ameaçar ninguém, ela é o avatar da intensidade, para este avatar não existe nada a meio-termo. 
Quando ela estava pronta, conversámos com a equipa que está a criar a nossa cidade no meta verso e foi aí que percebi que só faltava a Scorpia ter vida, então fizemos um trabalho com realidade aumentada em que ela sai do quadro e quase que toca a pessoa que está por perto em 3D. 
As pessoas vão puder ver que ela tem uma cauda de escorpião e que na obra não é visível, vão também ter a experiência de a conhecer melhor. 

CNS - Fale-nos um pouco mais dessa experiência de realidade aumentada... 
As pessoas vão poder ter essa experiência de realidade aumentada não só na exposição mas também fora dela através de um QR Code (pode usar o código abaixo), e foi pensada para ser acessível de qualquer forma, até com um telemóvel mais antigo e independente da capacidade deste, desde que consiga ler o QR. 

CNS - A Madonna vem a Portugal este ano, têm como objectivo que venha ver a exposição? 
Ainda não tentámos fazer a exposição chegar à Madonna, mas ficaria muito feliz se chegasse até ela. 
Nós decidimos fazer este tributo o ano passado, tanto que o livro da exposição do animal de 2022 já dizia quem seria a próxima, nós nem sabíamos que ela ia fazer uma tournée. 
Seria a concretização de um sonho se a Madonna quisesse ver a exposição, eu montava as Imperfeitas de novo para ela em Novembro.



A exposição “IMPERFEITA 1.3” pode ser visitada até 16 de abril na 284 Gallery, em Lisboa. A exposição estará aberta ao público às sextas, sábados e domingos, entre as 14h00 e as 19h00 e a entrada é gratuita.

Entrevista conduzida por Rui Costa Cardoso em exclusivo para o "Cultura e Não Só".