sábado, 22 de fevereiro de 2020

Crónica "Sobre isto e aquilo" - Deolinda Laginhas


Nim …

Em pouco dias, passámos do horror da possibilidade da morte provocada  por um  qualquer vírus maléfico vindo dos confins da Ásia, para a possibilidade legal de a qualquer momento desistirmos de viver, por vontade própria e esclarecida.

Confesso, que distraída como sou, apanhou-me de surpresa a notícia de que mais uma vez estava a ser considerada pelos nossos governantes a possibilidade (entretanto quase concretizada)  de despenalizar a morte medicamente assistida, vulgo, eutanásia.

Nos últimos dias, degladiaram-se comentadores, esgrimiram-se opiniões de doutos (des) conhecedores desta realidade insofismável que é a morte, sendo certo que, nenhum deles ainda passou pelo processo, ou não estariam aqui para falar sobre o assunto.

Os argumentos prós e contra baseiam-se essencialmente em dois grandes pilares: a premissa de que a vida é superior ao invólucro que por ela é ocupada e por isso não pode ser sujeita à sua vontade; e do outro lado da barricada, temos o valor maior do individualismo, a quem assiste a condução livre da sua vida e da própria morte.

Li histórias de vida, experiências sociais, opiniões cientificas e religiosas, ouvi debates de gente que queria informar e de outros tantos que se queriam fazer ouvir, e, verdade seja dita, encontrei razões legitimas em cada um deles:  dignidade na morte,  evitar o sofrimento físico e psíquico intolerável , o respeito pela vontade de quem já não quer continuar a viver.

Mas o que me assusta verdadeiramente é a crescente desumanidade da humanidade. Porque esta, faz-se de laços, de emoções, de alegria e de muito sofrimento. 

Se pensarmos no nascimento (que hoje, também queremos indolor), o acto de parir é de uma violência extrema, quer para a mãe quer para o que nasce. É muito arriscado viver, e quantas vezes se morre ao dar a vida. 

E depois de nascer? Depois, seguem-se meses de sofrimento para um bebé que sente a pele a ser rasgada, as dores físicas de um corpo que se adapta a mundo estranho e assustador, que não controla as necessidades fisiológicas que, não controla os membros, que não consegue comunicar de forma entendível… Há nisto alguma semelhança com o fim da vida? 

De velho, voltamos a menino, diz-se por aí. Então porque não somos tão carinhosos, tão pacientes, tão compreensivos, tão solidários com os nossos velhos como o somos com os nossos filhos? Será que se o fossemos, o tal sofrimento intolerável, deixaria de o ser? Será que valia a pena um dia de dor por um abraço ou por um sorriso cúmplice?

Na verdade, não sei qual seria a minha posição perante o meu sofrimento, ou o de quem me é próximo. Não sei se a eutanásia pode ser uma manifestação de generosidade ou de egoísmo, de amor ou de desprendimento.

Nas palavras sempre sábias de um querido professor “inveja que eu tenho das pessoas cheias de certezas absolutas, sobre todo e qualquer tema... Como são tão mais felizes do que eu. HCL”.

Eutanásia: Sim ou Não? Nim…

Apresentação Deolinda Laginhas

O meu nome é Deolinda Laginhas, 47 anos.
Desde sempre apaixonada pelas relações internacionais, área em que inicialmente me formei, descobri posteriormente o direito, tendo-me licenciado em solicitadoria, profissão que tenho vindo a exercer.
Sendo as minhas várias áreas de interesse, indissociáveis na minha forma de ver o mundo, procuro nesta crónica falar “sobre isto e aquilo”, procurando temas que pela sua actualidade e importância legal ou social mereçam aqui ser abordados.