sábado, 15 de fevereiro de 2020

Crónica "Sobre isto e aquilo" - Deolinda Laginhas


Quem cabritos vende …

Quem nasceu no mundo rural, traz agarrada uma herança cultural de costumes e de sabedoria popular que dos factos da vida e do comportamento humano, em nada fica aquém do conhecimento académico.

Essa sabedoria como sabemos, tem a sua expressão máximo nos ditos populares, que, socorrendo-se de analogias associadas  à ruralidade e às experiências vividas pelo colectivo,  regulam e condicionam a conduta dos seus utilizadores e destinatários.

A globalização, afasta-nos da terra e dos seus costumes e lança-nos para um mundo cheio de expressões e simbolismo, de muito mais difícil compreensão.  Senão reparem neste conjunto de “palavrões”  -  combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. 

No interior rural, dir-se-ia “ quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado vem”, mas dito desta forma - ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo - mais parece o nome de uma operação militar a levar a cabo contra entidades desconhecidas  - mas não -  é  como está titulada a Lei n.º 83/2017 de 18 de Agosto. 

Claro que, num mundo global, substituíram-se os cabritos por “lavandarias”, “lava jato” e outras expressões que nos levem à compreensão de tão complexo tema.  O branqueamento de capitais vulgarmente conhecido por lavagem de dinheiro, visa a dissimulação da origem dos proveitos económicos conseguidos através de  actividades criminosas, fazendo-os entrar no circuito económico por via de um negócio legal. Todos nos lembramos das famosas lavandarias do senhor Al Capone. 

Este processo compreende três fases: O dinheiro é colocado no circuito financeiro, sendo depois objecto de repetidas operações (quanto mais “sujo” a mais lavagem é sujeito) por forma a apagar a sua proveniência. Por fim, quando já está suficientemente branqueado é utilizado para a compra de bens e serviços. O branqueamento de capitais é crime. 

Quem nos últimos tempos comprou ou vendeu casa, pode ter estranhado ter que responder a um questionário pormenorizado quanto à sua identificação, mas também à proveniência do dinheiro utilizado para a aquisição do imóvel, à identificação da conta bancária utilizada nas transações, dados relativos à sua profissão, ou, se é ou não uma pessoa politicamente exposta (por politicamente exposta, entenda-se as que tenham desempenhado recentemente funções públicas proeminentes de nível superior). Caso se depare com alguma relação de negócio que considere suspeita, o agente imobiliário ou quem vá titular a transação, pode não só pedir elementos complementares a estes, mas também (e sempre que haja fundadas suspeitas) comunicar o facto à Unidade de Informação Financeira (braço da PJ) e ao DCIAP.  

Todos reconhecemos a necessidade de regras que tornem a sociedade mais justa e igualitária e combatam activamente as actividades criminosas, no entanto, e se estivermos atentos às medidas legislativas dos últimos anos, todas transferem para o cidadão o ónus da verificação da sua aplicação. No caso em concreto, o prestador de serviços de boa-fé, está e deve estar focado na sua actividade de negócio. Não me parece justo, que tenham acrescida a responsabilidade de fiscalização e policiamento que competem ao estado. Não só, não são remunerados por esses serviços que prestam à comunidade, como ainda têm que financiar a formação periódica em matéria de branqueamento de capitais a que estão legalmente obrigados. 

Apresentação Deolinda Laginhas

O meu nome é Deolinda Laginhas, 47 anos.
Desde sempre apaixonada pelas relações internacionais, área em que inicialmente me formei, descobri posteriormente o direito, tendo-me licenciado em solicitadoria, profissão que tenho vindo a exercer.
Sendo as minhas várias áreas de interesse, indissociáveis na minha forma de ver o mundo, procuro nesta crónica falar “sobre isto e aquilo”, procurando temas que pela sua actualidade e importância legal ou social mereçam aqui ser abordados.