sexta-feira, 25 de março de 2022

Aldina edita hoje "Tudo Recomeça"

Os ponteiros do tempo podem avançar sem perder a memória. Fonte inesgotável de saber e emoção, o fado tradicional é um fato à medida de cada intérprete. Quanto mais funda a voz, mais transparente o peito. Para Aldina Duarte, Tudo Recomeça, título de um novo álbum em que vive o fado tradicional como um organismo vivo, à solta num bilhete de ida e volta. Diz Ortega Y Gasset que “o homem é o homem e a sua circunstância”. Pois o fado não é diferente, ou não servisse de biografia perpétua a quem o vive e canta.

Que contos de fados são estes de Aldina Duarte em 2022?

São fados que nunca deixou de cantar em concertos, desde a sua gravação. Fados apresentados a plateias calorosas, pela primeira vez fixados no silêncio do estúdio. Em síntese, uma breve antologia dos fados de vários discos, que nunca pararam de evoluir em palco, agora reconstituídos num quadro pessoal e atual, a que se somam algumas surpresas.

Por exemplo, Antes de Quê [Fado Carriche], um companheiro de longa data que nunca deixou de interpretar, antes sequer de ser gravado, e Ela, fado-espelho sobre a condição feminina, escrito por Manel Cruz, a quem foi entregue a tarefa de assinar o único tema novo de raiz.

Todos os fados inéditos em disco, na voz culta de Aldina, trazem uma história no bolso. Sem Cal Nem Lei foi escrito por Maria do Rosário Pedreira para a voz de Aldina e interpretado, pela primeira vez na Culturgest, a sua sala de eleição; um tributo a Miguel Lobo Antunes, a quem dedica Tudo Recomeça. Clausura tem letra própria, escrita para a melodia de Fado Bacalhau e arranjo da fadista, recuperando o acompanhamento minimal mais antigo da viola de fado.

Rasga o Passado é um fado não tradicional pouco conhecido de Amália Rodrigues, sugerido por Miguel Lobo Antunes. Auto-Retrato é a fotografia de Aldina Duarte, escrita por João Ferreira-Rosa e estreada na Culturgest, na presença do fadista e letrista. Guitarrada dá aos músicos e autores do arranjo, Paulo Parreira e Rogério Ferreira, a honra de fechar o disco, tal como sucede em palco antes da derradeira ovação.

“É um fado muito nosso e só dela”, dizem os guitarristas. Eles que são “a pedra angular de todo o meu trabalho”, refere Aldina Duarte. “Eu defino a estrutura e o ambiente musical, de acordo com a minha visão poética, e eles descobrem e executam as soluções musicais, conforme as características de cada instrumento, sem fugir à essência da linguagem musical do fado”.

Em Tudo Recomeça, não houve prazos de estúdio a cronometrar o processo. Cada fado teve direito ao seu próprio tempo, emocional e interpretativo. Para manter a coerência estética com a obra sólida e intemporal, Joaquim Monte foi a escolha. “Precisava dos ouvidos e da cumplicidade profissional de alguém com quem tenho gravado sempre nos últimos anos, desde o Romances com o meu único produtor musical, o Pedro Gonçalves”, justifica.

Em Aldina Duarte, há muito deles, dos produtores, músicos e poetas que regam a tradição, de forma a mantê-la viva, relevante e expressiva.